raul: um fora-da-lei
por enilton grill
revisado e atualizado
eu não sou besta pra tirar onda de herói
sou vacinado, eu sou cowboy
cowboy fora da lei
durango kid só existe no gibi
e quem quiser que fique aqui
entrar pra história é com vocês
cowboy fora da lei
raul seixas / claudio roberto
outro dia assisti ao filme/documentário "o início o fim e o meio" e lembrei de uma entrevista do raul para o kid vinyl,onde raulzito dizia: "tenho certeza de que não vou morrer".
por isso, resolvi escrever...
por isso, resolvi escrever...
um dia a terra parou e raul fingiu que não viu e seguiu. o tempo passou e raul ficou. mas em 89, raul deu adeus, embarcou num disco voador e voou.
raul sempre leu muito. começou explorando os livros da biblioteca de seu pai, onde ficava horas viajando por galáxias e estrelas distantes, nos livros de astronomia.
depois de sair de Salvador e passar fome na cidade maravilhosa, raul resolveu fazer terapia e cursar filosofia. só mais tarde é que foi viver de cantoria.
enquanto viveu, raul se recusou, terminantemente, a aceitar o determinismo: ‘eu que não me sento / no trono de um apartamento / com a boca escancarada / cheia de dentes / esperando a morte chegar.. ’
para ele o hoje era apenas um furo no futuro, por onde o passado começava a jorrar. viveu como quis. morreu quando cansou deste lugar, onde nunca conseguiu se encontrar.
dez mil anos atrás, raul já havia começado a sonhar em ser cantor e compositor. para ele – poeta - a passagem do tempo não importa. se tempo presente ou futuro tanto faz quanto fez. e assim raul se fez.
tempos depois ele declarava: ‘eu sou tão bom ator que me finjo de poeta e profeta e todo mundo acredita.’
era chato chegar a um objetivo num instante:‘se hoje eu sou estrela amanhã já se apagou. raul se transmutava a todo instante.: se hoje eu te odeio amanhã lhe tenho amor.’ e o ritmo que isso acontecia era tão alucinante, era tão estonteante que raul enfim se tornou uma metamorfose ambulante.
mas com o passar do tempo ficou difícil ordenar o pensamento. seu tempo era ao mesmo tempo perto e distante. neste instante o álcool entra em sua vida. uma anestesia para a monotonia do dia-a-dia.
no final já estava cansado de viver drogado. mas estava escravizado. quando quis dizer não, o álcool e a droga já o haviam jogado ao chão. disse então: ‘eu não morri de overdose; eu morri foi de tédio.’ walter carvalho, diretor do documentário, disse que raul morreu de amor.
‘do passado me esqueci / no presente me perdi / se chamarem diga que eu saí.’ um dia raul disse: 'para o futuro não estou nem aí.' o Maluco vivia a esmo. fugia de si mesmo. não que fosse um frustrado ou fracassado, apenas tinha um universo inteiro a rodar em seu costado. outro dia, disse: ‘o universo me espanta e não posso imaginar que esse relógio exista e não tenha relojoeiro.’
raul nunca conseguiu ficar sozinho. ao mesmo tempo nunca conseguiu ficar com ninguém por muito tempo: ‘como compositor e cantor sou o homem ideal, como marido sou uma merda total.’
um turbilhão de idéias, um copo sempre à mão, uma profusão de imagens uma confusão na mente. antes, porém, do álcool lhe derrubar de vez: ‘eu não sou louco, é o mundo que não entende minha lucidez’. lúcido o bastante para não entrar em toda e qualquer luta. com onze anos de idade já desconfiava da verdade absoluta: 'tem gente que passa a vida inteira / travando a inútil luta com os galhos / sem saber que é lá no tronco / que está o coringa do baralho.'
tal qual um fora da lei, raul viveu de lutar contra o rei. mas o mundo é um moinho e raul morreu sozinho. e assim é a vida: o caminho do acaso é o azar ou a sorte e o caminho da vida seja no início no fim ou no meio é a morte. antes porém da morte raul nos deixa um mote: ‘jogue as cartas, leia a minha sorte / tanto faz a vida como a morte / o pior de tudo eu já passei.
mas raul não morreu. isso sabe ele e sei eu.
COWBOY FORA DA LEI
RAUL SEIXAS
UAH-BAP-LU-BAP-LAH-BÉIN-BUN!
1987