sábado, 29 de março de 2014



HERE'S TO YOU, NICOLA AND BART


"A homenagem é para vocês, Nicola e Bart
repousem para sempre em nossos corações
o momento extremo e final é de vocês
e aquela agonia o seu triunfo”.
HERE'S TO YOU
ENNIO MORRICONNE/JOAN BAEZ



POR ENILTON GRILL



Uma bala encontrada. Uma história mal-contada e uma prisão forjada. Duas vidas tiradas. A liberdade assassinada e a justiça crucificada. Mas é como diz Pablo Milanés, compositor cubano: "La vida no vale nada/cuando otros se están matando/y yo sigo aqui cantando/cual si no pasara nada". Ou ainda: "La vida no vale nada/si ignoro que el asesino/cogió por otro camino/y prepara una celada". Ou ainda: "La vida no vale nada/si cuatro caen por minuto/y al final por el abuso/se decide la jornada".

Para lembrar de uma balada que ouvi e de um filme que assisti. E para relembrar uma história que não esqueci. Mais que nada para justificar uma vida já um pouco cansada mas ainda rebelada e indignada. Uma vida, para além das caídas, sempre reconstruída e sempre reinventada. Uma vida agradecida e ainda esperançada. 


Estados Unidos. Anos 20


A classe média dos Estados Unidos vivia no paraíso. Vivia aquilo que mais tarde viria se chamar American way of life ou estilo americano de vida ou o jeito americano de ser. Naquela época, e ainda hoje, acreditavam-se superiores a todos os demais. E, com base nessa crença, tentavam, e ainda tentam, á base da força impor suas idéias de "liberdade".


Esta sociedade, forjada com ares de superioridade, sentia-se ameaçada pela massa de imigrantes chegada da Europa. Eram espanhóis, portugueses e, especialmente, italianos. Além de sua fisionomia e língua latinas, traziam estranhas idéias que colocavam em risco o modo de vida e o jeito americano de ser. Colocavam em risco a ordem de suas coisas e o progresso de sua economia. Colocavam em risco sua superioridade e atrapalhavam sua felicidade.


Em abril 1920 ocorreu um assalto a uma fábrica de calçados na cidade de South Braintree, no Estado de Massachusets. Na ocasião duas pessoas foram mortas. 

Algumas semanas depois, em 5 de maio, dois homens foram presos próximos de Boston. Eram imigrantes, operários e anarquistas. O estereótipo de tudo aquilo que não deveria ser um cidadão estadunidense modelo. Seus nomes eram Nicolau Sacco e Bartolomeu Vanzetti.


Sacco, um respeitado sapateiro, e Vanzetti um modesto peixeiro. Dois anarquistas que deram à palavra liberdade sentido e verdade. E isso hoje é uma raridade. Na boca de determinadas pessoas, a liberdade vem sendo deturpada, banalizada e desvalorizada. É como diz Piero, compositor argentino: "Cuando la palabra libertad/sale de las bocas mentirosas/de repente pierde su valor/se confunde el fondo de las cosas."


O caso teve repercussão internacional e dezenas de milhares de dólares foram arrecadados em todo o mundo para pagar os custos da defesa. Manifestações eclodiram em todo o mundo a favor dos acusados. A embaixada norte-americana em Paris sofreu um atentado a bomba e na embaixada em Lisboa, uma segunda bomba foi interceptada.

Sacco e Vanzetti, foram levados a um julgamento marcado por uma sucessão de arbitrariedades e erros. Para começar, nenhum dos dois conseguia se expressar fluentemente em inglês. Também pesou o fato de ambos terem se refugiado no México, anos antes, para não servir o Exército durante a guerra.

Diante de tais acusações Sacco respondeu indignado: “Durante treze anos, trabalhando duro, não consegui juntar dinheiro no banco. Não consegui que meu filho fosse para um colégio (...)". Sobre suas posições diante da guerra afirmou: "Trabalhei com irlandeses, com alemães, com franceses. Amo-os tanto quanto poderia amar minha mulher e o povo que me recebeu (...) por isso não acredito na guerra”.


Uma defesa bem fundamentada acirrou a disputa judicial. Cerca de 100 testemunhas prestaram depoimento ante o tribunal do júri em favor dos réus. Tudo foi desconsiderado. As testemunhas de acusação, sob forte pressão de opinião pública conservadora se contradiziam. E, em julho de 1921, Sacco e Vanzetti foram julgados culpados e condenados à pena capital.

A defesa recorreu. Enquanto o julgamento permanecia em discussão, Sacco e Vanzetti aguardavam no “corredor da morte”. Mas o jogo já havia sido jogado. Tudo já havia sido arrumado. O caso já estava encerrado.  


O preconceito étnico e de classe conduziu o júri a condenar à morte dois homens sem provas conclusivas. Poucas horas antes da execução, o sapateiro deu uma declaração sobre o longo processo de erros e desacertos a que foi submetido:

“Estão determinados a nos matar, sem se importar com as evidências, com a lei, com a decência. Se nos concederem um adiamento esta noite, será para nos matar na semana que vem. Vamos terminar logo com isso. Esperei sete anos para morrer sabendo o tempo todo que eles queriam nos matar”. 

Vanzetti citou Santo Agostinho: “O sangue dos mártires é a semente da liberdade”

 Bartolomeu Vanzetti morreu com 39 anos de idade, e Nicolau Sacco com 36 anos. Eles foram executados em 23 agosto de 1927.

“Estão matando um inocente. Não se esqueçam. Estão matando dois homens inocentes”, gritou Vanzetti.


Sacco, por sua vez, escreveu uma carta para seu filho no qual afirmava: “Eles podem crucificar os nossos corpos hoje, como estão fazendo, mas não podem destruir nossas idéias que permanecerão (...). Lembre-se sempre dos dias de alegria e não use tudo apenas para você, desça um degrau e ajude sempre os mais fracos que gritam por ajuda, ajude as vítimas e os perseguidos, porque estes serão os seus melhores amigos”.

Em 23 de agosto de 1977, passados 50 anos da execução, o governador de Massachusetts, Michael Dukakis, emitiu uma nota afirmando que Sacco e Vanzetti não receberam um julgamento justo. A nota não valeu de nada. Duas vidas já haviam sido tiradas. A liberdade já havia sido assassinada e a justiça crucificada e enterrada.



SACCO & VANZETTI
TRAILER
COM MÚSICA DE
ENNIO MORRICONE E JOAN BAEZ
HERE'S TO YOU