POESIA É FORMA QUE SE MOVE COMO O HORIZONTE
* POR CARLOS COGOY
Para o Diário da Manhã
Novembro de 2009
Dia 14 de novembro às 19h na Biblioteca Pública Pelotense (BPP), houve recital com o compositor e músico uruguaio Daniel Viglietti. O “Tributo a Benedetti” foi a terceira apresentação do artista em Pelotas. Com formação erudita, dedica-se à música popular desde os anos sessenta. Em destaque, os discos em parceria com o poeta Mário Benedetti (1920/2009). Para lembrar o escritor conterrâneo, Viglietti que também produz e apresenta programas no rádio e tevê, apresentou recital especial.
BENEDETTI e Viglietti conheceram-se no exílio na década de setenta. Conforme o pesquisador Enilton Grill, o encontro ocorreu em Cuba. Houve a afinidade artística e ideológica dos uruguaios. Com isso, a gravação dos discos “A dos voces”. Na 37ª Feira do Livro, conforme indicação da equipe da Biblioteca Pública Pelotense (BPP), Benedetti foi autor homeageado. E na Praça Cel. Pedro Osório foi organizado o Espaço Cultural Mário Benedetti.
Numa madrugada desta semana, respondeu questões enviadas pelo DM
DM – Qual a sua opinião sobre a homenagem que a Feira do Livro de Pelotas presta ao escritor Mário Benedetti?
R – Considero um grande passo cultural demonstrado pela Feira do Livro da cidade de Pelotas. A homenagem honra a memória de um querido e brilhante intelectual, como foi o nosso Mario Benedetti. O meu caro amigo Benedetti ficaria feliz pela divulgação no Brasil. Com isso, pretendemos multiplicar as traduções de suas obras.
DM – Qual a lembrança dos recitais realizados em Pelotas?
R – É impossível não recordar de concerto que se comunicou tanto com o público num local tão bonito. Foram dias impossíveis de esquecer. E o Theatro Sete de Abril é uma jóia, reunindo público que acompanha cada canção. O que surpreendeu numa noite memorável, é que o público estava familiarizado com minhas músicas. Enilton Grill, tão cheio de inquietudes, ajudou-me a expressar o que senti. Com isso, agora estou regressando durante a Feira do Livro.
DM – Podemos considerar que, em anos recentes, houve maior integração entre os povos de países do Cone Sul?
R – Sem dúvida, embora com algumas contradições e incompreensões. Mas pouco a pouco nossos povos tem se integrado mais. No entanto, ainda há muito para ser feito. E para enfrentarmos as ameaças do império, devemos prosseguir com uma política regional própria. O Acordo de Livre Comércio com os EUA, torna-se perigoso para o desejo de unidade na América Latina. E observo que ainda é fraco o intercâmbio cultural entre os nossos países. Então, essa homenagem a Benedetti é exemplo de uma política cultural positiva para a integração.
DM - E as perspectivas de mudanças sociais na política uruguaia?
R – Bem, o atual governo tem tentado algumas mudanças. É governo que não pode ser comparado com os anteriores, ineficazes, corruptos, reacionários e repressivos. No governo progressista há erros e acertos, mas ninguém em sã consciência pode desejar o retorno dos anteriores. Os partidos tradicionais, brancos e colorados, estão desesperados e tentando por todos os meios, inclusive ilegítimos, evitar a derrota iminente. O que se lamenta do atual governo, é que ainda não houve a punição a todos os responsáveis por desaparecimentos durante a ditadura. Há um punhado de tiranos e torturadores na prisão. Isso antes era inimaginável. Mas o governo não apoiou inteiramente a anulação da lei de caducidade – evita punição aos criminosos da ditadura. E perdemos o plebiscito por poucos votos. Então, vencendo a Frente Ampla – segundo turno será dia 29 –, o primeiro compromisso deve ser a anulação dessa lei.
DM – A solidariedade entre os homens e os povos, perdeu para o fascínio pelas tecnologias que encurtam distâncias?
R – A solidariedade nunca morre, nunca desaparece da vida. As presas e prisioneiros da América Latina sabem disso, pois viveram isso. Mesmo nas piores circunstâncias, a solidariedade sobrevive no ser humano. Por isso, o método da repressão é isolar os presos, distanciando-os. E nosso compromisso deve ser pela união, abraçados, irmanados, com mais e mais vínculos.
DM – O mundo mudou ou apenas está banalizado?
R – Sempre há mudanças, em nós e no mundo. Sempre estamos mudando. E contra as feridas da história, sempre se reconstrói o corpo social. Então, apesar das feridas, precipícios, armadilhas e deslealdades, seguimos andando e sonhando por uma vida melhor.
DM – Qual a esperança no século 21, como sensibilizar acerca da miséria que cresce, da fome que se intensifica, da violência que aumenta?
R – É muito duro esse vento que está contra, mas não há outro caminho do que resistir e seguir criando. Cada um em sua vida, imaginando e inventando. Se paramos, o poder nos traga, aniquila, apaga ou robotiza. É um grande desafio. Mas Pancho Villa, Vietnã, Cuba e o sandinismo, mostraram que os impérios não são invencíveis.
DM – Se o autoritarismo já não está formalmente no poder, ele não se apresenta sob outras máscaras, ou seja nos cartões de crédito, poder aquisitivo, enfim no status e ações preconceituosas?
R – Sim, o mundo do poder adota novas máscaras. Mas o olhar de uma criança com fome, obriga-nos a ver a verdadeira face da vida, e não as armadilhas do sistema. E ninguém sai incólume disso. O olhar de uma criança com fome está exigindo o melhor de nós.
DM – Diante dos anos decorridos, qual o significado da poesia, é alternativa, expectativa, construção ou apenas exercício impotente diante do tempo que não espera?
R – Respondo citando meu amigo Chico Buarque: “é feito subir uma construção como se fosse a última”, sabendo que é sempre um primeiro passo, que a poesia é uma forma que se move como o horizonte.
* Carlos Cogoy é jornalista,
Editor de "Cultura" do jornal Diário da Manhã.
Professor de Filosofia
Pelotas/RS