O ÚLTIMO GOLE
POR LUIS FERNANDO VERISSIMO
2010, 07 DE AGOSTO
Não sei se foi antes ou depois do Renan pular sem ter decidido se iria abraçar, soquear ou engolir aquela bola, e levar aquele gol, que resolvi: só um calvados me faria aguentar o jogo até o fim.
O calvados é um destilado de maçã feito para ser tomado na frente de uma lareira acesa enquanto se filosofa sobre a vida, mas em ocasiões especiais, como uma semifinal de Libertadores num Morumbi cheio contra um São Paulo esfogueado e com um ataque que raramente acertava um passe, serviria para acalmar os nervos.
Era o que estávamos precisando, eu e o time. Calma e filosofia. O que poderia acontecer de pior? O Renan, carcomido pelo remorso, largar mais três ou quatro bolas dentro da pequena área, nossos contra-ataques continuarem a não dar certo, o São Paulo continuar surfando no entusiasmo da sua torcida e fazendo mais três ou quatro, eu me despedindo da família e me atirando dentro da lareira. Só isso.
Mas aconteceu uma coisa estranha. O calvados não me acalmou, mas teve um efeito contrário no Sandro e no Tinga, que tomaram conta do jogo. Empatamos. Depois o São Paulo aproveitou que eu fui me reabastecer e marcou o segundo.
E os últimos minutos do jogo, já sem o Tinga em campo, quando um gol deles significaria a diferença entre os Emirados Árabes e a amargura, foram os minutos mais longos já registrados na história da cronologia.
Mas resisti razoavelmente intacto. E o último gole do calvados foi para comemorar.