sábado, 29 de março de 2014


A RIQUEZA, 
IRMÃ SIAMESA DA POBREZA


POR ENILTON GRILL


TEXTO PUBLICADO 
NO DIÁRIO DA MANHÃ
29 DE MARÇO DE 2014


“Não existe riqueza que seja inocente.
Toda riqueza nasce de uma pobreza.”
Eduardo Galeano



Pobres deles, os ricos. Compram automóveis importados com dezenas de cavalos de força, automóveis que andam a centenas de km/h de velocidade. Mas ficam engarrafados no caótico trânsito das cidades, ao lado de carroças puxadas por um solitário e cansado cavalo. E, invariavelmente, chegam atrasados ao local desejado. E, às vezes, são assaltados ou sequestrados quando estão parados no sinal fechado. Pobres,  os coitados.

Pobres deles, os ricos. Constroem casas belíssimas. Mansões com gramados e avarandados. Mas vivem angustiados e atormentados. Aprisionados e cercados por muros cheios de alarmes e arames farpados. Vivem com medo de uma sociedade forjada pela desigualdade por eles mesmos criada. De um lado, os esfomeados. Do outro, os enfastiados.  No meio, um abismo. Um abismo, cada vez mais, distante de ser solucionado neste mundo globalizado. Neste mundo, desumanizado, empobrecido e bestializado. 

Poderia dizer mais da riqueza, irmã siamesa da pobreza. E direi, com certeza. Mas através de quem sabe mais de riquezas e de pobrezas do que eu. O escritor uruguaio Eduardo Galeano, por exemplo, escreveu:

"Pobres, verdadeiramente pobres, são os que não têm tempo pra perder tempo. Pobres, verdadeiramente pobres, são os que comem lixo e pagam por ele como se fosse comida. Pobres, verdadeiramente pobres, são os que vivem dramas passionais com as máquinas. Pobres, verdadeiramente pobres, são os que sempre são muitos e sempre estão sós. Pobres, verdadeiramente pobres, são os que não sabem que são pobres."

E o presidente José Pepe Mujica emendou e ecoou:

"Eu não sou pobre. Pobres são os que creem que eu sou pobre. Tenho poucas coisas, é certo, as mínimas. Se tivesse muitas coisas, teria que gastar tempo com elas e não poderia fazer o que realmente gosto. Essa é a verdadeira liberdade, a austeridade, o consumir pouco. A casa pequena para poder dedicar o tempo ao que verdadeiramente desfruto. Senão, teria que ter uma empregada e já teria uma interventora dentro de casa. Se tenho muitas coisas, tenho que me dedicar a cuidar delas para que não as levem de mim. Não, com três peças me basta. Passamos a escova entre a velha e eu, e pronto, se acabou."

As palavras de Galeano e de Mujica estão escritas e vão para os anais. Livros, revistas e jornais. E precisa mais? Precisa. Precisam ser lidas. Precisam ser entendidas. Precisam ser ouvidas. Precisam ser sentidas. Precisam ser vividas. Pois a sociedade, assim como está, padece. Fenece.