domingo, 26 de janeiro de 2014



Joan Baez & Bob Dylan


uma cantora, um compositor
e um caso de amor


por Enilton Grill


da autobiografia de bob dylan
crônicas (volume 1)



A 'Rainha das Cantoras de Folk', essa tinha que ser Joan Baez. Joan nasceu no mesmo ano que eu, e nossos futuros iriam se conectar, mas, naquela época, seria um despropósito sequer pensar nisso. Ela tinha um disco lançado pelo selo Vanguard chamado Joan Baez, e eu a vira na TV. Ela estava em um programa de música folk transmitido de Nova York para todo o país pela CBS.

Joan cantou algumas baladas de sua autoria, e então se sentou lado a lado com Hopkins e cantou algumas com ele. Não consegui parar de olhar para ela, não queria nem piscar.

Ela tinha uma aparência bem travessa - cabelo negro cintilante, pestanas encurvadas, parcialmente erguidas... A visão dela me deixou enlevado. Tudo aquilo, e ainda a voz. Uma voz que expulsava os maus espíritos. Era como se ela tivesse vindo de outro planeta.

Ela vendia um monte de discos e era fácil de entender por quê. As cantoras de música folk eram como Peggy Seeger, Jean Ritchie e Barbara Dane, e elas não eram bem assimiladas pelo público moderno.

Joan não tinha nada a ver com nenhuma delas. Não havia outra como ela. De origem escocesa e mexicana, ela parecia um ícone religioso, alguém por quem você se sacrificaria, e cantava com uma voz direto para Deus... também era uma instrumentista excepcionalmente boa.

Joan parecia muito madura, sedutora, intensa, mágica. Nada do que ela fazia dava errado. o fato de ela ter a mesma idade que eu quase fez com que me sentisse inútil. 

Por mais ilógico que pudesse parecer, algo me disse que ela era meu complemento - aquela com quem minha voz poderia encontrar perfeita harmonia.

Naquela época não havia nada além de mundos de distância e enormes barreiras entre ela e eu. Eu ainda estava atolado na roça. Não obstante, alguma sensação estranha me disse que inevitavelmente nos encontraríamos.

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do livro
a balada de bob dylan
de daniel mark epstein



Em abril de 1961, numa atração noturna do Gerde's, Dylan abriu o show do formidável bluesman John Lee Hooker, tocando Song to Woody e algumas canções do próprio Guthrie como Pastures of Plenty e Talkin' Columbia

No mesmo mês tocou em seu primeiro concerto pago, pela folk society da Universidade de Nova York; e numa bem frequentada hoot night no Gerde's tocou junto com Doc Watson, Dave Van Ronk, Gil Turner (editor da Broadside), Mark Spoelstra e a deslumbrante Joan Baez. Ele nunca havia estado com Baez antes, mas a reverenciava como a rainha dos cantores folk. 

Em suas memórias, ele relembra que Baez cantava com uma voz divinamente inspirada; e não só isso, ela era uma violonista soberba, numa categoria própria, 'distante e inatingível'.

Depois do show, às duas da manhã, ele seguiu Joan e sua irmã menor, Mimi, pela rua para poder tocar para elas a sua canção Song to Woody. Joan Baez ainda não havia sido cativada, mas ainda assim este encontro foi memorável para ela. 

Baez descreveria mais tarde mais tarde como Dylan era engraçado no palco, 'saltitando enquanto tocava, ele parecia enfeitiçado pelo violão...Suas bochechas ainda eram macias com uma quantidade indigna de gordura de bebê...Ele era um absurdo, novo e sujo para além das palavras...' Ela viu imediatamente que Dylan era excepcional e tinha o poder de mexer com uma plateia, 'mas ele tinha apenas começado a me comover'.

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do livro
dylan - a biografia
de howard sounes



Joan Baez era somente seis meses mais velha do que Bob, mas já era uma grande estrela nos Estados Unidos e fazia shows-solo em grandes teatros paíos afora. Apesar de subir ao palco descalça como uma simples camponesa e cantar músicas folclóricas tradicionais em um tom soprano virginal, Baez era uma jovem inteligente, egocêntrica e festiva que ainda não encontrara alguém à sua altura.

Ela conheceu Bob no Gerde's Folk City, numa noite em que Bob e Mark Spoelstra estavam se apresentando. Por coincidência, Spoelstra tinha saído umas poucas vezes com Joan em 1956, quando eram adolescentes, na Califórnia.

'Joan tinha um jeito de atrair os homens, como fez comigo quando eu tinha 16 anos. Ela conquistava qualquer homem que quisesse e simplesmente ficava com ele. Ela controlava os caras. Como a sua mãe me dise uma vez, 'Joanie com os homens, eu não sei, não, ela os mastiga e os cospe'.

Em sua celebrada autobiografia, And a Voice to Sing With, Joan descreveu as primeiras e nada auspiciosas impressões que teve de Bob, o homem por quem se apaixonaria e a quem estaria ligada pelo resto da vida, embora, na verdade, o romance mesmo tenha sido breve.

"Ele parecia um caipira urbano, com os cabelos batidos em volta das orelhas e encaracolados no topo. Deslocando o peso do corpo de um pé para o outro enquanto tocava, ele parecia pequeno por trás do violão. Sua jaqueta era de couro surrado, dois números menor do que o seu tamanho. Suas bochechas ainda eram macias e indecorosamente gordas como a de um bebê. Mas sua boca era fatal: macia, sensual, infantil, nervosa e reticente. Ele cuspia as palavras de suas próprias músicas...Bob era tão absurdo, inovador e sujo que não dava para acreditar."

Apesar de sua imundície, Joan sentiu que queria conhecê-lo melhor...

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da autobiografia de bob dylan
crônicas (volume 1)


Eu não sabia muita coisa sobre Joan Baez. Não fazia ideia de que ela sempre fora uma autêntica solitária tipo eu, a diferença é que ela havia pipocado por aí e vivido em lugares que iam de Bagdá a San Jose. Tinha vivenciado muito mais do mundo do que eu. Ainda assim, pensar que ela provavelmente se assemelhava mais a mim do que eu mesmo teria sido demais.

Seus discos não apresentavam indícios de que ela estivesse interessada em mudanças sociais ou coisa assim. Considerei-a sortuda, sortuda por se envolver com o tipo certo de música folk desde cedo ter olhos para aquilo - aprender a tocar e cantar de modo habilidoso, além das críticas, além das categorias.

Não havia outra igual. Ela estava muito além e era inatingível - Cleópatra vivendo em um palácio italiano. Quando ela cantava, deixava você de queixo caído. Como John Jacob Niles, ela era muitíssimo estranha. Eu ficaria com medo de conhecê-la. Ela poderia enterrar suas presas na minha nuca. Eu não queria conhecê-la, mas sabia que conheceria.

Eu estava indo na mesma direção, muito embora naquele momento estivesse bem atrás dela. Ela tinha fogo e senti que eu tinha o mesmo tipo de fogo. Para começar eu podia cantar as mesmas canções que ela ...Mary Hamilton, Silver Dagger, John Riley, Henry Martin. Podia fazer com que caíssem certinho como ela fazia, mas de um jeito diferente. Nem todo mundo consegue cantar essas canções de forma convincente. O cantor tem que fazer você acreditar no que está ouvindo, e Joan fazia isso.

Acreditei que a mãe de Joan mataria alguém que ela amasse. Acreditei naquilo. Acreditei que ela vinha desse tipo de família.