sexta-feira, 8 de novembro de 2013



AS PRIMEIRAS CANÇÕES DE CHICO

III



POR WAGNER HOMEM




PEDRO PEDREIRO

(1965)

Pedro pedreiro penseiro esperando o trem
Manhã, parece, carece de esperar também
Para o bem de quem tem bem
De quem não tem vintém
Pedro pedreiro fica assim pensando
Assim pensando o tempo passa
E a gente vai ficando pra trás
Esperando, esperando, esperando
Esperando o sol
Esperando o trem
Esperando o aumento
Desde o ano passado
Para o mês que vem

Pedro pedreiro penseiro esperando o trem
Manhã, parece, carece de esperar também
Para o bem de quem tem bem
De quem não tem vintém
Pedro pedreiro espera o carnaval
E a sorte grande no bilhete pela federal
Todo mês
Esperando, esperando, esperando
Esperando o sol
Esperando o trem
Esperando aumento
Para o mês que vem
Esperando a festa
Esperando a sorte
E a mulher de Pedro
Está esperando um filho
Pra esperar também

Pedro pedreiro penseiro esperando o trem
Manhã, parece, carece de esperar também
Para o bem de quem tem bem
De quem não tem vintém
Pedro pedreiro está esperando a morte
Ou esperando o dia de voltar pro Norte
Pedro não sabe mas talvez no fundo
Espera alguma coisa mais linda que o mundo
Maior do que o mar
Mas pra que sonhar
Se dá o desespero de esperar demais
Pedro pedreiro quer voltar atrás
Quer ser pedreiro pobre e nada mais
Sem ficar esperando, esperando, esperando
Esperando o sol
Esperando o trem
Esperando o aumento para o mês que vem
Esperando um filho pra esperar também
Esperando a festa
Esperando a sorte
Esperando a morte
Esperando o norte
Esperando o dia de esperar ninguém
Esperando enfim nada mais além
Da esperança aflita, bendita, infinita
Do apito do trem

Pedro pedreiro pedreiro esperando
Pedro pedreiro pedreiro esperando
Pedro pedreiro pedreiro esperando o trem
Que já vem, que já vem, que já vem
        1965, CHICO BUARQUE


Entretanto, o sucesso do compacto se deveria a 'Pedro pedreiro'. Quando a compôs, Chico sabia que estava fazendo algo diferente.

Quando fiz 'Pedro pedreiro', tive a sensação de que pela primeira vez estava compondo uma música realmente minha, que já não era mais imitação de Bossa Nova. Daí em diante, as coisas começaram a acontecer.

disse ele a Amir Chediak, organizador do Songbook Chico Buarque. Em 1985, numa entrevista à Rádio do centro Cultural São Paulo, ele admite que, embora tenha havido uma mudança, a canção

ainda era resquício do momento que havia da chamada resistência, que foi logo depois de 64, quando veio aquela onda toda do Opinião, da oposição que se fazia dentro dos teatros, na música popular - já que noutros campos a oposição foi abortada, calada e então se transferiu das fábricas, da praça pública e do Congresso para as artes, o teatro, o cinema e a música.


Numa das raras vezes em que Sérgio Buarque de Holanda falou sobre o filho, em depoimento de 1968 para o primeiro número da revista Pais & Filhos, ele identificou na letra uma influência do autor de Grande sertão veredas: "Quando fez 'Pedro pedreiro', inventou uma palavra: 'penseiro'. Talvez inspirado em Guimarães rosa, que também era dado a inventar palavras." Anos depois no DVD Uma palavra, o próprio Chico admitiria:

Teve uma época que eu só lia Guimarães Rosa. Eu queria ser Guimarães Rosa (...). Quando gravei minha primeira música - hoje eu me envergonho um pouquinho disso, porque é difícil você querer ser Guimarães Rosa -, inventei esse 'penseiro', é claro que pra fazer uma rima, uma aliteração (...)mas era aquela coisa de achar que pareceria Guimarães Rosa. Parece nada.


No livro Chico Buarque - Cidade submersa, de Regina Zappa e Bruno Veiga, Chico faria uma nova revelação acerca da canção que o colocou no cenário musical:

Tem uma coisa sobre 'Pedro pedreiro' que nunca me lembrei de dizer: não tem nada a ver com samba antigo, era pós Bossa Nova., mas tem a ver com uma coisa que me impressionou muito naquele tempo - o violão percussivo do Jorge Ben. Não sabia fazer o violão dele, mas fiquei muito impressionado com aquilo.

Impressionadas também ficavam as pessoas que ouviam a canção; ninguém menos que Tom Jobim, ao ouví-la em 1966, no dia em que se conheceram, e a poetisa e dramaturga Renata Palotini, que escreveu uma peça baseada na história do pedreiro, para a qual Chico fez as músicas.


Mas havia quem não se impressionasse. Num veículo no qual se pode sentir a cada segundo que tempo de fato é dinheiro, incomodava a duração de uma música com sessenta versos, em que a palavra 'esperando' aparece nada menos que 36 vezes. Um dos produtores do programa do Chacrinha disse a Chico, sem meias palavras: 'Não dá pra esse trem chegar mais cedo, não?'. Naquele dia nem o trem, nem Pedro pedreiro e nem Chico chegaram ao palco da TV Excelsior. Indignado com a proposta de mutilação da cria que ainda estava lambendo, o autor simplesmente pegou seu violão, deu meia-volta e foi-se embora.




PEDRO PEDREIRO
DO LP CHICO BUARQUE DE HOLLANDA
1966