sábado, 1 de junho de 2013



ELE NÃO ESTAVA LÁ


_por Enilton Grill


Das Crônicas
de Bob Dylan
Vol.1



Em 1968, os Beatles estavam na Índia. A América parecia embrulhada em um cobertor de fúria. As cidades rugiam em chamas, os cassetetes estavam descendo. Os caras do sindicato da construção civil surravam garotos com bastões de beisebol. Um misterioso xamã do México, um homem de medicina, o fictício Don Juan, era o novo modismo de consciência; ele trouxera um novo nível de percepção ou de força vital e o brandia como uma manchete. Livros sobre ele não paravam na prateleira. A nova visão de mundo estava mudando a sociedade, e tudo se movia rápido - em ritmo acelerado. 


Estudantes tentando se apoderar das universidades nacionais, ativistas antiguerra forçando barganhas amargas. Maoístas, marxistas, castristas - garotos de esquerda que leram os manuais de Che Guevara estavam lá fora para derrubar a economia. Kerouac havia se aposentado, a grande imprensa incitava tudo, atiçando a chama da histeria. Se você visse as notícias, pensaria que a nação inteira estava em fogo. Parecia que a cada dia havia um novo tumulto em alguma cidade, tudo à beira do perigo e da mudança - as selvas da América sendo desbravadas. As coisas que costumavam ser no tradicional preto-e-branco, agora explodiam em cores plenas e luminosas.


Bob Dylan tinha sofrido um acidente de motocicleta e havia se ferido, mas se recuperou. A verdade é que ele queria sair daquela corrida de ratos. Ter filhos mudou sua vida e o isolou de todos e de tudo o que estava acontecendo. Fora de sua família nada possuía real interesse. Ele estava vendo tudo por lentes diferentes. Mesmo os horripilantes temas das notícias do momento - os Kennedys, Martin Luther King, Malcom X abatidos a tiros...ele não os via como líderes sendo baleados, mas sim como pais cujas famílias tinham sido feridas. O festival de Woodstock tampouco o cativou. Mesmo que o mesmo tenha acontecido no quintal de sua casa, ele estava mais a fim de criar filhos e galinhas do que entoar hinos de paz e amor. Ele estava mais para vaqueiro do que para flautista de Hamelin. 


Alguns anos antes, Ronnie Gilbert, um dos Weavers, havia feito a abertura para uma apresentação de Dylan num festival de folk de Newport dizendo: "E aqui está ele...peguem-no, vocês o conhecem, ele é de vocês!". Bob Dylan não foi capaz na época de perceber os agouros sinistros da apresentação. Mas ele tinha muito pouco em comum com a geração da qual supostamente era a voz e a conhecia menos ainda. Havia deixado sua cidade natal apenas dez anos antes, não estava vociferando as opiniões de ninguém e não pertencia a ninguém. Nem antes, nem agora e nem nunca. Ele tinha uma mulher e filhos, e os amava mais que tudo no mundo.


O destino de Bob Dylan assentava-se na estrada com o que quer que a vida trouxesse. E isso não tinha nada a ver com representar qualquer tipo de civilização ou ser porta-voz ou representante ou mesmo a consciência de uma geração. Ser verdadeiro com ele mesmo, esse era o seu lance. a sua história. Onde quer que quisessem que ele estivesse, ele não estava lá.