A MARTIM O QUE É DE MARTIM
_por Enilton Grill
Bibliotheca Pública Pelotense
2013, 25 de Junho
Em primeiro lugar, parabenizar a todos os envolvidos neste evento. Esta, e outras tantas iniciativas da Bibliotheca têm sido fundamentais pra saúde cultural da cidade e de todos nós. E o Sarau Poético Musical, especificamente, diz sempre e muito de nós.
Mas eu vim pra falar e dizer do Martim.
O Martim é de Jaguarão é vencedor do I concurso nacional de poesia "Rua dos Cataventos" da Sociedade Mario Quintana de Poesia, com o poema "Da terra... o mar..." e também do II concurso da mesma entidade, com o poema "Quando os índios invadiram a Europa".
Ele é vencedor (como letrista) de vários, inúmeros festivais de música locais, estaduais e nacionais e é autor dos livros "Poemas Ameríndios" ,"Poemas do Baú do Tempo", do livro de contos ‘Sob a luz de velas’, do livro de poemas ‘Dez sonetos delirantes e um Quixote sem cavalo’, e do livro “Sobre amores e outras utopias', além da peça Don Quixote de la Mancha (adaptação da obra de Miguel de Cervantes).
Participou de diversos encontros literários no Uruguai, tais como o que ocorreu em homenagem aos 400 anos de Quijote, em Paysandú; os encontros realizados no Lago Merín, o Fórum Binacional Brasil-Uruguay (Chuy), além do Fórum Social Mundial em Porto Alegre.
Ele é co-autor de vários trabalhos discográficos: Caminhos de Si, Maria Conceição canta Martim César e Paulo Timm, Canções de a(r)mar e desa(r)mar, ‘Da mesma raiz’ e 'Já se vieram!”. Estes dois últimos indicados a prêmio Açorianos, representando a temática Riograndense, e 'Memorial de Campo', sobre temas fronteiriços e do projeto 'Cartas de marear', com músicas regionais brasileiras. E atualmente está trabalhando na produção do CD 'Paisagem Interior', todas essas produções independentes.
Agora, dias atrás, foi nomeado para cinco categorias no prêmio Brasil Sul da cidade de Pelotas, tanto para os Cds Da mesma raiz e Já se vieram (de folclore), como o CD Canções de a(r)mar e desa(r)mar (MPB). Os dois últimos, "Já se vieram" e "Canções de a(r)mar e desa(r)mar" ganharam prêmio.
Tudo isso, que é uma biografia resumida, certamente é de muita importância pro Martim. Os prêmios, as participações, as nomeações são de fundamental importância pra quem faz o que quer que seja. É o retorno. É o reconhecimento. É aquilo que dá gás pro que se faz.
Isto dito, quero dizer que não é nada disso o que aqui me traz. Aliás, não tem importância alguma pra mim o Martim ser de Jaguarão, da fronteira com o Uruguai, ter escrito os livros que escreveu e ter ganhado os prêmios que justa e merecidamente ganhou e os que ainda há de ganhar. O que a mim importa são as palavras cantadas e recitadas nos festivais e nos livros escritas. E se o Martim não fosse de Jaguarão e sim de outro lugar qualquer, mesmo assim aqui eu estaria. E se o Martim não fizesse poesia, num outro lugar, que não fosse um sarau de poesia, ali e com ele eu estaria. Que lo primero es ser hombre y lo segundo poeta. Isso, Yupanqui dizia. E isso é o que o Martim é.
Mas, às vezes, separar o homem do poeta mesmo que se queira não se pode. Certas pessoas, quando olhadas por dentro, são como um mundo do avesso. Não há fim pois não se sabe onde é o começo.
Em certas pessoas o tempo que corre fora não é o que corre por dentro. Pois um se mede por horas... O outro... por sentimentos. Um se adivinha no espelho, nas rugas que vão crescendo... O outro... está no silêncio dos sonhos que vão morrendo.
Certas pessoas são assim. Por exemplo, o Martim.
Certas pessoas jamais vão entender e consentir que nesta imensa nação ainda seja matar ou morrer por um pedaço de chão;
Certas pessoas nunca vão achar a clara razão, de quem só vive pra ter e ainda se diz bom cristão;
Certas pessoas não vão concordar que em vez de herdar um quinhão, o povo mereça ter só sete palmos de chão.
Certas pessoas ainda pensam assim. Por exemplo, o Martim.
Certas pessoas ainda sonham esse estranho sonho que sonhou Cervantes.
Certas pessoas ainda sonham a aventura de ser Quixote em seu cavalo com lança e armadura.
Certas pessoas entre amor, ternura e bravura são luz na noite escura.
Existe(m) sim pessoas assim. Por exemplo, o Martim.
Certas pessoas ainda dizem que os que se dizem donos desta terra trouxeram a guerra e doenças estranhas e quebraram a harmonia e roubaram das matas a alegria e despertaram a erosão e inventaram na América a palavra extinção.
Certas pessoas ainda dizem que os que se dizem donos desta terra banharam de sangue os rios, levantaram muros, cidades e prisões. E mataram milhões.
Certas pessoas ainda dizem que os que se dizem donos desta terra condenaram antigos guerreiros a prisioneiros que em reservas mal-vistas margeiam autopistas vendendo lembranças, adornos e enfeites para o lar dos turistas.
Mas será que não somos mais índios que brancos? Será que essa América não é mesmo Índia?
Certas pessoas ainda se questionam assim. Por exemplo, o Martim.
Certas pessoas ainda procuram por poesia...
Poesia contra a opressão,
Poesia sem preço, nem limites,
Poesia como lenitivo, como bálsamo,
Poesia com gosto de vinho, poesia cor de sangue,
Poesia como o mar...
Poesia gritando ...
Poesia ardendo dentro de nós.
Poesia necessária...
Poesia imprescindível
Poesia imprescindível
Poesia como o sol de cada dia.
Poesia por um ideal, por um amor.
Poesia por um amigo.
Certas pessoas ainda fazem poesia assim. Por exemplo, o Martim.
Não digo isso por ninguém. Digo por mim. Um dia minha vida deu uma guinada e bati em retirada. Perdi o rumo da estrada. Fui longe, voltei no tempo... e nada. É como cantava um poeta e dizia um profeta, o pobre que anda sin copla por esta vida prestada, mais que pobre é um fantasma e mais que fantasma é nada. Um dia o Martim matou a charada e me escreveu uma balada. A vida é como um flash e certas coisas a gente não esquece. O tempo pouco importa, ninguém sabe o que haverá nos esperando além da porta. A luz reacendeu. Eu voltei e hoje estou aqui. O Enilton de hoje continua sendo o de antes: sobreviveu ás trevas e agora vive de aprender a viver na luz.
Isso eu queria dizer, Martim.
Mas queria dizer mais. Muito mais.
Queria dizer que teus livros, tuas canções e tua poesia nos dão esperança e identidade.
Queria dizer que neste sistema, organizado para apagar nossos rostos, desintegrar nossas almas e esvaziar nossas memórias, tuas palavras dão abrigo a muitos despidos nessa tempestade.
Queria dizer mais e melhor. É verdade. Pode crer.
Mas é como dizia Alfredo Zitarrosa, quis querer e não pude poder.
Quem dera tivesse podido. Seria muito mais que merecido.
Mas é assim...
Quem dera hoje nas ruas não fosse inverno e fosse mesmo a primavera.
Quem dera...
Azar. Não importa.
Hoje eu vim escutar, reverenciar, agradecer e abrir a porta.
Que entre a claridade e acorde o tempo que estava dormindo.
A porta está aberta... ¡Gracias, poeta!
Que entre a claridade e acorde o tempo que estava dormindo.
A porta está aberta... ¡Gracias, poeta!