sábado, 11 de agosto de 2012


PAJÉ CONTRA PAJÉ



No dia 25 de junho de 1983, Paulo Francis publicou na Ilustrada um texto intitulado "Caetano, pajé doce e maltrapilho".

Era uma referência ao compositor baiano, que havia participado de uma entrevista com Mick Jagger no programa "Conexão Internacional", da Rede Manchete, conduzido pelo jornalista Roberto D'Ávila, com a participação de Walter Salles atrás das câmeras (ele ainda não se tornara o famoso cineasta de "Central do Brasil").

D'Ávila convidara Caetano para participar da conversa com o líder dos Rolling Stones. O autor de "Tropicália" era visto por muitos como uma versão brasileira dos grandes astros pop internacionais dos anos 60, com a vantagem de ser também considerado um artista-intelectual.

Para Francis, no entanto, esse status parecia problemático. O colunista elogiava Caetano, considerava-o até melhor do que Jagger como compositor, mas criticava o fato de ele falar "de Pajé contra pajé tudo com autoridade imediatamente consagrada pela imprensa, que é mais deslumbrada do que o público".

Para ele, transformado em "totem", Caetano teria se apequenado diante de Jagger no "Conexão Internacional": "É evidente, por exemplo, que Mick Jagger zombou várias vezes de Caetano na entrevista na TV Manchete. O pior momento foi aquele em que Caetano disse que Jagger era tolerante e Jagger disse que era tolerante com latino-americanos (sic), uma humilhação docemente engolida pelo nosso representante no vídeo".

O colunista também fez reparos a uma pergunta feita por Caetano a Jagger sobre o lugar do rock na história da música. "Essa pergunta simplesmente não se faz em televisão, ou até em jornal. É de um amadorismo total. Só serve para seminários de 'comunicação' no interior da Bahia. Não é uma pergunta jornalística. Jagger começou a debochar aí."

O artigo não provocou uma resposta imediata de Caetano. Ele não enviou ao jornal um artigo, como se poderia supor. Mas, aqui e ali, em entrevistas, foi falando do assunto. Convidado a manifestar-se sobre o caso na coletiva para o show "Uns", em São Paulo, em outubro de 1983, chamou o jornalista de "bicha amarga".

Francis retrucou em sua coluna: "Duas sorridentes cascavéis deste caderno me comunicaram hoje que Caetano Veloso me agrediu numa coletiva. Outro tema de debate: cantor de samba fazendo show vale uma coletiva? Por quê? Bem, fiz críticas culturais ao estilo de personalidade de Caetano, o flagelado milionário de 'boutique', servil como um escravo diante do condescendente Mick Jagger. São críticas, certas ou não, mas culturais. Qual é a resposta de Caetano? Diz que sou uma bicha amarga e recalcada. É puro Brasil. Ao argumento crítico, o insulto pessoal. Mas o insulto é o próprio Caetano. Afinal, o que ele quer dizer é que sexualmente sou igual a ele, e usa isso como insulto."