quinta-feira, 26 de julho de 2012


UMA VIDA EM TRÊS AMORES


POR NEY GASTAL


Não tive tempo de perguntar-lhe tudo que queria, nem ele respondeu a todas as minhas perguntas. Mesmo assim, conversamos muito. Foi um pai extremamente presente, durante toda a minha infância. Depois, ainda muito jovem, fui trabalhar com ele no jornal.

Mesmo casado, mantive o hábito de frequentar almoços em sua casa, e então, na caminhada entre o jornal e o apartamento da Vasco Alves e, depois, o da Canabarro, trocávamos idéias sobre o Brasil e o mundo e - claro - o Cinema. Cresci dividindo o quarto com o arquivo, que crescia muito mais rápido que eu.

Na pré-adolescência, meu espaço já estava reduzido a uma cama de parede, o resto do quarto tomado por livros, revistas, recortes e envelopes. Não era ruim. Em uma época em que Playboy era um mito distante, e Carlos Zéfiro uma aventura perigosa, fui o único adolescente a ter no quarto livros com Briggite Bardot nua, da coleção do pai.

O cinema marcou presença também na forma das sessões de filmes que ele passava em casa, geralmente aos sábados à noite. Os vizinhos, de um modo geral, deviam detestar o ronco aviônico do velho projetor Kodak de 16mm, mal e mal sobrepujado pela trilha sonora do filme posta a todo volume.

Surdo de um ouvido desde uma operação mal realizada na juventude, sentava-se sempre meio à direita da tela, para poder ouvir melhor com o ouvido bom, que era o esquerdo. 

Estas sessões, em que projetava desde filmes experimentais tchecos até propaganda comunista cubana, passando por clássicos russos, animações canadenses, elocubrações suecas e épicos poloneses, duraram até muito depois do advento da televisão, à qual ele custou a render-se. 

Quando o fez, porém, foi em caráter incondicional, e os últimos anos de sua vida os passou frente a ela, reencontrando velhos clássicos, revendo pela bilionésima vez o idolatrado Carlitos e rabujindo contra os rumos do cinema moderno.

Na televisão ele reencontrou o último sopro da velha chama, que descobriu muito jovem, ainda em Pelotas e à qual dedicou boa parte da vida...


AS TRÊS PAIXÕES DE P. F. GASTAL


EM DEPOIMENTO A SEU FILHO, NEY GASTAL


CINEMA

Paixão precoce, desde a infância. Mas não consegui ir ao cinema tato quanto gostaria. A mesada não permitia. Perdi então grandes filmes, que deveria ter visto no lançamento. Nesta mesma época, devo ter sido influenciado pelo fascínio do proibido. Havia um cinema em Pelotas, o Coliseu, onde criança não podia ir sozinha e os adultos não queriam entrar. Um perfeito pardieiro. Só que era justamente lá que passavam os melhores seriados. Comecei a frequentá-lo escondido e, mesmo grandinho, quando já podia entrar sem problemas, passava pelo porteiro com o mesmo ar de aventura que tinha antes por estar fazendo algo proibido.

CORREIO DO POVO

Foi uma paixão ou, quem sabe, um grande amor. Entrei como colaborador - hoje se chama free lancer, não é?  Depois saí uns tempos - Rio e São Paulo. Quando voltei, o Dr. Breno Caldas me recebeu e perguntou se me animaria a tomar conta da página social, que na época reunia todos os assuntos de cultura. Respondi que sim. Ele então me entregou a página e pediu um projeto de reforma geral para ela. Passei dias fazendo o tal projeto, entreguei e, como era típico dele, nunca tive qualquer resposta. Depois de uns tempos resolvi partir do presuposto de que quem cala consente e comecei a mudar tudo. Mudava um pouco, esperava para ver se ia dar bode, não dava, mudava mais um pouco, e assim por diante.

DINAH

A maior de todas. Mais que tudo. A mesma magia, a mesma emoção, só que mais forte. Andei arrumando as coisas lá no arquivo e descobri algo que nunca vistes. Um poema que fiz para ela. Nunca fui poeta. Mas até isto cometi para ela. Mas a pura verdade, que eu poderia repetir ainda hoje, se soubesse fazer versos. Ou, pelo menos, se não tivesse desenvolvido uma autocrítica certamente bem maior que a daquela época. Lê e guarda. Mas não podes publicar agora [novembro de 1989]. Depois, sei lá.


À MINHA NAHZINHA 
OFEREÇO CARINHOSAMENTE

NÓS

Quando já longe forem os dias Querida
Os dias tão venturosos na Mocidade
Nós haveremos de recordar a nossa vida
Haveremos de recordá-la com vaidade.

E 'Tu', desta luta cansada e vencida
Hás de vibrar ainda com Felicidade
Ao gozares contente e agradecida
A suprema ventura de sentir saudade.

E sabendo-te junto a mim, tão carinhosa
Eu, mesmo atingindo a senelitude
Terei no sangue o ardor da juventude.

E nós sorriremos, com a alma ditosa
Sabendo ser nosso amor uma claridade
Que brilhará muito além da Eternidade.
                                                       PAULO, 7-2-1940