CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
O Anjo Torto
Itabira, MG
31 de outubro de 1902
-
Rio de Janeiro, RJ
17 de agosto de 1987
Drummond semeou influências por toda parte. Um exemplo disso é mostrado pelo antológico "Poema de Sete Faces", que é o primeiro texto do primeiro livro do poeta, de 1930.
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
O poema tem gerado filhos e netos de Drummond em diferentes gerações, na poesia e na música popular.
O anjo torto é uma idéia-força. E faz germinar coisas geniais. Não dá para resistir, por exemplo, ao "mandamento" do anjo hippie do tropicalista Torquato Neto (1944-1972):
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
Na visão de Chico Buarque, o anjo virou um querubim chato e safado que decretou que ele desde que nasceu estava predestinado a ser errado assim.
ATE O FIM
Quando nasci veio um anjo safado
O chato dum querubim
E decretou que eu tava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim
Inda garoto deixei de ir à escola
Cassaram meu boletim
Não sou ladrão, eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Um bom futuro é o que jamais me esperou
Mas vou até o fim
Eu bem que tenho ensaiado um progresso
Virei cantor de festim
Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso
Em Quixeramobim
Não sei como o maracatu começou
Mas vou até o fim
Por conta de umas questões paralelas
Quebraram meu bandolim
Não querem mais ouvir as minhas mazelas
E a minha voz chinfrim
Criei barriga, minha mula empacou
Mas vou até o fim
Não tem cigarro, acabou minha renda
Deu praga no meu capim
Minha mulher fugiu com o dono da venda
O que será de mim?
Eu já nem lembro pr'onde mesmo que vou
Mas vou até o fim
Como já disse, era um anjo safado
O chato dum querubim
Que decretou que eu tava predestinado
A ser todo ruim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim
Do LP Chico Buarque
- Polygram, 1978
ATE O FIM