AMERICANA
POR CAUSA DE BOB DYLAN
pra ronaldão,
que primeiro ouviu
a guitarra de woodie guthrie
metralhar as muralhas da ilha
por CELSO BORGES
poeta e jornalista
são luís do maranhão
um trem me atravessa lentamente
carregado de ferrugem e neblina
seguindo as estrelas da noite americana
sobre os ombros das planícies do norte
comboios noturnos plenos de chumbo e fumaça
atravessam estradas desoladas, futuros condomínios ali
na fronteira onde os ventos não têm piedade *
nuvens passam apressadas
chuvas que não param
sonhos congelados pelo inverno que não chega
alguém me colocou aqui, alguém me disse sim
escrevi algo em minha alma:
não serei jovem eternamente
quem sabe nasci tarde demais
há falta de beijos nos bailes
há brados surdos nos becos
botas batendo nos bicos das sarjetas
lua no céu de estrela nenhuma
divididos, desesperados
mirando o sol escuro das tempestades
aqui estamos
alvo certeiro
pasto de aluguel
a chacina abre suas cortinas
preparar, apontar, fogo!
rosa negra rosa negra rosa esquálida
buquê de cinzas bétula de guerra
e o céu vermelho aberto sobre o deserto americano
quarenta e dois graus. latitude sul
queimam os esplendores das rodas de fogo
dezesseis estandartes sobre o campo de batalha
dança-se a música dos senhores da guerra
as estradas estão infestadas de sangue nas trilhas
nossos corações têm que ter coragem para a troca da guarda **
all along the watchtower
pássaros cinzentos
voam em direção à rua da desolação
as almas ali são vendidas baratas demais
e o cheiro azedo das galerias
passa rente a rudes borzeguins que caminham
em meio ao frio à febere à fábrica de dor
quarenta e dois anos. latitude além
coleção de parabéluns
abrem suas asas sobre as folhas em queda
a lua a sangue frio
o carteiro das não-cartas
mensagens inalcançáveis para os olhos dos ternos
ternuras em falta falhas de afeto
trincheiras superlotadas
é preciso pôr as capas contra a chuva de morte das tocaias
minha cabeça na bandeja, mandíbulas quebradas
quem se candidata a salomé?
no banquete dos salafrários
salve-se quem puder
ali no vale do elo perdido
pássaros cinzentos não voam além do chão
as águas não param de subir
não basta ver o sol nascer
é preciso ser leal com as estrelas do céu
escadas até as estrelas!
é a única coisa que me convém dizer
diante do silêncio das pedras
um poeta queima bandeiras de papel dentro dele
outro poeta risca versos pelo avesso
procura endereços de carta nenhuma
e derrama baldes de lágrimas sobre o solo solitário
...tropecei na vertente de doze montanhas enevoadas
adentrei o coração de sete florestas tristes
vi um lugar cheio de homens com seus martelos sangrando
vi dez mil falantes cujas línguas estavam quebradas ***
cuidado, baby
não confie em ninguém com muitas fardas no corpo
não deixe que eles escondam tudo de você
é preciso saber pra onde vai soprar o vento
é preciso acabar com esse incêndio de uma vez
hey, lady, quer comprar a tua liberdade?
bem-vinda a alforria dos desejos
de norte a sul, de leste a oeste
dia desses ainda vou brindar a tua liberdade
na manhã desafinada eu irei te seguir
sumir pelos anéis de fumo
dentro do coração de sete florestas tristes
com o rosto cheio de fuligem negra
dançar ao redor do sol
fora o céu não há cercas à frente
meus sonhos são de ferro e aço
e tenho um enorme buquê de rosas pendentes no colo ****
vem vindo ali um trem lento lindo
atravessando a neblina e seu vento
quebrando o espelho do tempo
celso borges
* verso da canção 'girl from the north country', de bob dylan; tradução luis loureiro
** verso da canção 'changing of the guards', de bob dylan; tradução de luis loureiro
*** versos da canção 'a hard rain´s a-gonna fall', tradução de luis loureiro e colagem de celso borges
**** versos das canções 'mr. tambourine man', 'a hard rains a-gonna fal', 'subterranean homesick blues' e 'never say goodbye', de bob dylan; tradução de celso borges e luis loureiro e colagem de celso borges
AMERICANA
poema: celso borges
música: zeca baleiro
voz: zeca baleiro, vitor ramil,
fernando abreu e celso borges
fernando abreu e celso borges
violão, órgão e gaita: tuco marcondes
violino: alex braga
Poema: Celso Borges
Música: Zeca Baleiro
Vozes: Zeca Baleiro, Vitor Ramil, Fernando Abreu e Celso Borges