terça-feira, 10 de janeiro de 2012



INJURIADO


POR WAGNER HOMEM
Do livro, História de Canções


Dinheiro não lhe emprestei/Favores nunca lhe fiz/Não alimentei o seu gênio ruim/ Você nada está me devendo/Por isso, meu bem, não entendo/Porque anda agora falando de mim.

“Esse samba rendeu polêmica. Houve quem jurasse que ele era uma resposta ao então presidente Fernando Henrique Cardoso. Na época, FHC escreveu um livro com o ex-presidente de Portugal Mário Soares. Na obra, FHC disse que Chico era ‘elitista’ e ‘repetitivo’.

Chico sempre negou que ‘Injuriado’ fosse uma resposta aos ataques do presidente. O compositor dizia que nunca chamaria FHC de ‘meu bem’. Acho que a verdadeira resposta do Chico veio durante os shows. Na época, incluiu ‘Quem Te Viu, Quem te Vê’ no segmento de músicas políticas. Acho que, ali, era uma alfinetada em FHC.”



INJURIADO / QUEM TE VIU, QUEM TE VE
CHICO AO VIVO
GRAVADO NO PALACE
SAO PAULO
ABRIL DE 1999





Chico Buarque, 54, volta às canções inéditas em "As cidades", após cinco anos calado como compositor de álbuns. Na volta, volta disposto a falar e se vê às voltas, mais uma vez, com tema recorrente em sua obra artística: a política.

Desta vez, fala do personagem principal do disco 'As Cidades'

- É um personagem misto, não sou eu. Ele está viajando aparentemente sem rumo, sobrevoando cidades, diz Chico.

Além disso, comenta críticas feitas por Fernando Henrique Cardoso e Mário Soares no recém-lançado livro "O mundo em Português - um diálogo", de que seria "mais convencional" que Caetano Veloso e Gilberto Gil (segundo FHC) e "um pouco subordinado ainda a um certo esquema ideológico do passado" (segundo Soares).



Chico recebeu a Folha para falar de música e política. 
E, claro, sobre FHC.  
Leia trechos da entrevista a seguir.


Folha - Você sempre foi tão atuante na música quanto politicamente, e a despolitização do Brasil é acompanhada por sua despolitização. A falta de rumo vem daí?

Chico - Vou discordar frontalmente, porque se a política interferiu na minha criação, foi de forma nociva. Não me arrependo, mas em termos artísticos não me acrescentou grande coisa. Minhas músicas mais marcadamente políticas são as que tem menor qualidade estética, no meu ponto de vista.


Folha - Não é simbólico você ter sido um dos artistas mais censurados do Brasil?

Chico - Fui atuante, falava muito. Mas foi chegando a hora de ser mais artista e menos político. O fim das ditaduras e a queda do Muro de Berlim já eram sinais de que se encerrava esse conflito e se despolitizava o mundo. A função política do artista se enfraqueceu. Antes nós, artistas, nos reuníamos para lutar pelos direitos autorais, pela numeração dos discos. Talvez hoje quem esteja mais em evidência na indústria tenha menos preocupação social. É normal, o mundo está despolitizado.


Folha - As pessoas mais em evidência hoje são as da axé music e do pagode. O que isso significa?

Chico - Não tenho nada contra, só estou constatando que são pessoas que estão num tipo de roda viva muito mais violento que aquele de que eu falava em 1968. Absolutamente não há como sentar com esse pessoal para conversar. Hoje, até a participação política faz parte do show business. As últimas eleições deram uma idéia de que essa apatia está para se resolver. Até houve um certo rebuliço nesse marasmo político que estava existindo desde a derrota de 89.


Folha - Que derrota?

Chico - A última grande movimentação política nacional foi a eleição de 89, quando a sociedade inteira se dividiu e houve a possibilidade de haver uma mudança significativa com a eleição do Lula. Ali acho que foi a grande porrada.


Folha - Queira ou não, você ainda vai ao noticiário político, quando o presidente do Brasil o chama num livro de artista "da elite tradicional", "que quer ser crítico, mas é mais convencional" que Caetano e Gil. Como você recebe isso?

Chico - Com indiferença, sinceramente. Não estou dando trela para esse assunto. Acho um comentário desimportante, é conversa de cozinha, não sei por que saiu em livro. Não acho que seja surpreendente que ele diga isso, nem que haja motivos para eu me chatear. É um comentário pessoal. Minha divergência com Fernando Henrique não é de ordem pessoal.


Folha - Ele está transferindo uma crítica política ao plano artístico?

Chico - Parece que sim. Não me parece uma crítica musical. Seria estranho que dois chefes de Estado estivessem conversando sobre música popular e se pusessem a fazer considerações críticas. É mais lógico que seja uma crítica política. Não concordo com 90% do que Fernando Henrique tem falado. Já não concordava antes da primeira eleição. Na época, ele falou que eu estava equivocado, porque disse que gostaria que Lula vencesse e formasse um amplo quadro de apoio com lugar para ilustres tucanos. Preferia ver Fernando Henrique num governo do Lula a vê-lo no PFL. Mantenho o que eu disse.É difícil, no Brasil, o homem público assumir a posição da direita. Em qualquer lugar, quem pratica ideário da direita se diz de direita. Talvez aqui, por causa da ditadura, a direita tenha ficado estigmatizada. Mas não é ofensa para ninguém, na França o Chirac, um político de centro, se diz de direita.


Folha - É verdade que "Injuriado" é dirigida a FHC?

Chico - Isso é uma piada, só rindo. Primeiro porque não fiquei injuriado com nada, segundo porque nunca vou chamar Fernando Henrique de meu bem.
Chico Buarque
Entrevista à Folha de São Paulo
1998

INJURIADO
CHICO BUARQUE
AS CIDADES
1998