segunda-feira, 9 de janeiro de 2012



 UM MURO SE ERGUEU
(à poesia)


 *Por Enilton Grill



‘¡Ay! de estos días terribles,
asesinos del mundo.’
En estos dias, 1977
Silvio Rodríguez



‘Dicen que me arrastrarán por sobre rocas
cuando la Revolución se venga abajo,
que machacarán mis manos y mi boca,
que me arrancarán los ojos y el badajo.
Será que la necedad parió conmigo,
la necedad de lo que hoy resulta necio:
la necedad de asumir al enemigo,
la necedad de vivir sin tener precio.’
El necio, 1991
Silvio Rodríguez




‘Mi país es pobre, mi piel mejunje,
mi gobierno proscrito, mis huestes utópicas.
Soy candidato al inventario de la omisión,
por no ser globable.’
Fronteras, 2001
Silvio Rodríguez


Berlim. 12 de junho de 1987.

Em um discurso no Portão de Brandemburgo em comemoração ao 750º aniversário de Berlim, Ronald Reagan desafiou Mikhail Gorbachev, então Secretário Geral do Partido Comunista da União Soviética, para derrubar o muro como um símbolo de crescente liberdade no Bloco do Leste:

'Damos as boas-vindas à mudança e à abertura, pois acreditamos que a liberdade e segurança caminham juntos, que o progresso da liberdade humana só pode reforçar a causa da paz no mundo. Há um sinal de que os soviéticos podem fazer o que seria inconfundível, que faria avançar dramaticamente a causa da liberdade e da paz. Secretário Geral Gorbachev, se você procura a paz, se você procura prosperidade para a União Soviética e a Europa Oriental, se você procurar a liberalização, venha aqui para este portão. Sr. Gorbachev, abra o portão. Sr. Gorbachev, derrube esse muro!'

O Muro de Berlim era a notícia de cada dia. Da manhã à noite líamos, víamos, escutávamos: o Muro da Vergonha, o Muro da Infâmia, a Cortina de Ferro...

O Muro de Berlim começou a ser derrubado na noite de 9 de Novembro de 1989. Depois de 28 anos de existência, o muro que merecia cair, caiu.

Bem-vinda seja a queda do Muro de Berlim, celebramos todos. Depois da queda dele, a esquerda acabou. As ideologias acabaram. A utopia, que nunca existiu, acabou. O capitalismo, o mercado livre e a sociedade de consumo conquistam o consenso universal. Tudo em nome da democracia liberal. Bastava ligar a televisão que era esta a notícia de todo e qualquer telejornal.

Mas de um outro muro, o que separa o mundo pobre do mundo rico, que está mais alto do que nunca, fala-se pouco ou nada. Sobre o Muro Universal, silêncio sepulcral.

Pouco se fala do muro que os Estados Unidos estão a alçar na fronteira mexicana, e pouco se fala do arame farpado de Ceuta e Melilla.

Quase nada se fala do Muro da Cisjordânia, que perpetua a ocupação israelita de terras na Palestina e daqui a pouco será quinze vezes mais longo do que o Muro de Berlim.

Muito se fala do Muro de Berlim. E nada, ou quase nada, se fala dos muros erguidos antes e depois dele.

Por que será? Será devido aos muros da incomunicação, que os grandes meios de comunicação constroem a cada dia?

Por que será que ao ligar a televisão e ao zapear canal por canal as notícias se repetem de igual a igual? Será devido aos muros da incomunicação, que a editoria global constrói a cada dia?

De telejornal a telejornal ouve-se sempre a mesma balela: o mal do mundo começa e termina no Irã, em Cuba e na Venezuela. Anrã! Perante o Irã, Cuba e Venezuela, o governo dos Estados Unidos invoca a democracia como um álibi. Esquece, que na Venezuela, desde que Hugo Chávez tomou o poder, foram realizadas algumas eleições e dezenas de plebiscitos e que, pelo voto popular, o 'ditador' saiu-se sempre vencedor.

Há uma frase pichada nos muros do mundo: ‘200 milhões de meninos no terceiro mundo dormem nas ruas, nenhum deles é cubano’. Em Cuba não existe nenhum descalço, nenhum analfabeto, nenhum faminto, nenhum menor abandonado. Mas disso, pouco ou nada se fala na democrática mídia brasileira. Não se fala também que em Cuba a maioria do povo diz ter o que precisa ter para ser feliz: saúde, alimentação, educação e habitação. Precisa mais? Baseado nas promessas - não cumpridas - dos políticos brasileiros, a cada eleição, acho que não.

Do 11 de setembro de 2001 ninguém agüenta mais de tanto que se fala. Mas poderiam falar do 11 de setembro de 1973. Nem que fosse uma que outra vez. Desde o século passado, a América Latina foi invadida mais de cem vezes pelos Estados Unidos. Sempre em nome da democracia e sempre para impor ditaduras militares ou governos títeres. Salvador Allende, Victor Jara e o povo chileno, torturados e assassinados, de onde estejam, se é que estão, que o digam. Pois, por aqui, disso pouco ou nada se fala.

Vamos falar de direitos humanos e de liberdade de expressão, assuntos sempre em questão na nossa televisão? Vamos, então.

Podemos começar pelo campo de concentração de Guantánamo, onde se pratica a tortura e não existe o habeas corpus. Por acaso a delegação norte-americana pode explicar o que aconteceu nos campos de Abu Ghraib, Bagram e Nama?

Por que governo de Barack Obama mantém a proibição aos norte-americanos de visitarem Cuba e de receberem informação de primeira mão?

Podemos falar da Wikileaks. Por que não contam alguma coisa a respeito das atrocidades que aparecem nos 75 mil documentos sobre os crimes no Afeganistão?

E o que dizer, com relação aos cinco cubanos presos nos EUA que permanecem cumprindo injustamente prisão? E das restrições aos intercâmbios acadêmicos, estudantis, científicos e culturais?

Destes muros, nada, ou quase nada, fala nossa 'democrática' televisão.

E o que dizem os derrubadores de muros sobre o muro erguido ao poeta cubano Silvio Rodriguez?

“O departamento de Estado dos Estados Unidos, dirigido por Hillary Clinton, impediu a presença do célebre trovador cubano Silvio Rodríguez nas homenagens pelos 90 anos do legendário músico "folk" norte-americano, Pete Seeger, que fez anos ontem, 3 de maio , em Nova Iorque.” 

Se você, prezado leitor, nada sabia sobre este muro erguido à poesia, não se preocupe, você não é o único; e tem motivos. Esta notícia acima, de 2009, deu no Granma. No New York Times, na Globo e na Veja, nada, nada de nada.

Por que será que o governo de Barack Obama atrasou o visto de entrada do compositor cubano Silvio Rodriguez, impedindo-o de participar da homenagem a Pete Seeger? Há quem diga que foi por causa da burocracia. Não sei. Pode ser que seja. Mas acho essa desculpa pura hipocrisia. Acho que a democracia dormia ou jazia...acho que ela nem existia no dia que levantaram um muro à poesia.

Enilton Grill é radialista, pesquisador, ativista cultural e
autor deste blog