domingo, 19 de abril de 2015


Galeano, meu caro amigo


Por Enilton Grill


Dizem que morreste e que foste velado com honras de ministro de estado.

Dizem que foste cremado.

Dizem, dizem e dizem. Mas dizem tanta coisa que não é verdade.

Dizem que a esquerda morreu. Dizem que a história acabou. Dizem tanta mentira que, às vezes, como agora, sinto que me roubaram até as palavras.

Como pode...

Tento disfarçar a minha dor e não consigo. As veias estão abertas e escrever me dói.

No entanto...

Lembro de tuas palavras, aquelas que dizem que as pessoas escrevem para denunciar a dor e compartilhar o prazer e que as pessoas escrevem contra sua própria solidão e a dos demais.

E então me dá vontade de escrever um pouco mais.

A verdade é que fiquei sabendo o que soube através de um amigo comum. Nos cumprimentamos e ele me disse o que não queria dizer e eu ouvi o que não queria ouvir.

Mas foi melhor assim.

Melhor ter escutado do Soler do que de uma estação de televisão qualquer. O Soler é de carne e osso. E muito coração.

Já a televisão...

Desde muito cedo aprendi a gostar da solidão. Isso não quer dizer que eu seja um solitário. Ao contrário. Sempre tive amigos.

"A amizade é o encontro de duas solidões e quando duas solidões se encontram surge a comunhão", já dizia uma poeta.

E estava certa, caro amigo.. Estava certa...

No mundo inteiro, somos muitos. 

Somos muitos os que pensamos com tua cabeça, caminhamos com tuas pernas, escrevemos com tuas mãos

Somos muitos os que nos abraçamos com teus braços.

No mundo inteiro, somos muitos os que nos conhecemos através de teus livros e crescemos com tuas palavras e falamos com tua voz.

E a palavra, já disseste, já escreveste, "quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha.”

Por isso, é preciso tornar a começar. Por mais que doa, e hoje dói, é preciso continuar a dizer e não deixar de escrever. Como diz um compositor, poeta e escritor, amigo nosso, "eu não vou desesperar, eu não vou renunciar".

Dizem que morreste, amigo. Dizem que morreste.

Coitados, não sabem nada.

Esse é o primeiro dia de uma longa vida para viver. O mundo que queremos (ainda) não é. Mas será. Quem viver verá.

¡Nos estamos viendo! ¡Nos estamos viendo!

Assim nos despedimos nós os que nos despedimos sem que nenhum de nós se vá.