terça-feira, 17 de março de 2015


Negros e negras

No desafio por trabalho e renda

Dias 20 e 21 na Câmara Municipal:
 “1º Congresso de Negros e Negras de Pelotas”


Por Carlos Cogoy


Saúde, educação, cultura e religião. Alguns dos eixos que serão debatidos no 1º Congresso de Negros e Negras, que acontecerá sexta e sábado no Legislativo Municipal. Para a servidora da UFPEL, Catharina Beatriz dos Santos Motta (Foto), todos os temas são importantes mas “tem uma questão que, no meu ponto de vista, é fundamental: trabalho e renda. Considero que essa temática deve ser aprofundada. Afinal, temos muitos jovens que estão se formando, e pra quê? No momento da escolha dos profissionais, sempre nos passam a perna”, avalia Catharina. Licenciada em educação artística, atualmente ela integra o grupo de trabalho “Etnias” da Asufpel (Sindicato dos Servidores da UFPel). Em relação ao tema que destaca, Catharina menciona: “O 1º Congresso de Negros e Negras de Pelotas será importante instrumento de discussão de vários temas. Considero que a geração de renda será fundamental para refletir a situação da ocupação dos negros. O racismo, seus efeitos e mecanismos de reprodução, tem impactado de modo expressivo e perverso a sociedade brasileira, pois os indivíduos são selecionados com base no pertencimento racial”.

PELOTAS – Catharina há dezessete anos participa do movimento negro. Na trajetória, esteve integrada ao então “Lanceiros Negros”, Fórum de Mulheres Negras de Pelotas, Seminário de Consciência Negra de Pelotas (SECONEPE), Grupo DEA e projeto de extensão “De mãos dadas com nossas raízes e nossos irmãos”. Em relação à cidade natal, ela reflete: “Pelotas é uma cidade conservadora. Na sua história de charqueadas, casarões, enfim, cada lugar que se ande, sentimos a mão escrava. E principalmente nas ruas onde pisamos, pois as pedras dos calçamentos foram assentadas pelo suor de muitos negros. Nas charqueadas, o sangue dos escravos se misturava ao sal e suor. Mesmo assim, com essa relevância no passado, a cidade nos despreza. Somos sempre os últimos em tudo. O preconceito ainda impera e está muito presente. Aos negros cabem os piores empregos, piores salários, piores moradias. Avanços? Poucos, e muitos por causa de ações afirmativas do governo federal, lógico que impulsionadas pela militância negra e movimentos sociais. Muitos negros hoje moram um pouco melhor, alguns já estão na universidade, mas a grande maioria ainda continua nas vilas, em condições precárias de habitação, sem saneamento básico, sem emprego, sem atendimento digno na questão da saúde. No comércio local já visualizamos um ou outro negro na linha de frente do atendimento. Mas a proporção ainda é pequena, muito pequena”.

PAÍS – Vinculada ao Partido dos Trabalhadores (PT), Catharina integrou o diretório e militou “em função da causa negra”. Ela analisa a questão em âmbito nacional: “No Brasil, apesar de alguns avanços, como a lei 10.639, que institui às escolas o ensino da história africana, a mudança ainda está muito devagar. Notamos que após dez anos, apesar do esforço de alguns professores, praticamente nada aconteceu. O governo petista, mesmo que alguns setores considerem que ainda não priorize a questão negra na sua agenda de compromissos, na minha opinião tem proporcionado melhorias. Projetos como Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família, Prouni, Cotas etc., ajudaram bastante a questão étnica. Ressalto que a maioria dos beneficiários é de negros, que estavam abaixo da linha da pobreza”.

DEBATE – Catharina menciona sobre a trajetória no movimento negro, e as perspectivas do congresso em Pelotas: “Em relação ao congresso, tivemos mobilizações semelhantes. No início dos anos 2000, Pelotas sediou a Pré-Conferência da Comunidade Negra. A culminância foi a Conferência Estadual em Caxias do Sul, com grupos de diversas cidades. À época governos Fernando Marroni no município, e Olívio Dutra no Estado. Naquele momento, a comunidade negra estava mais inserida nos partidos políticos, tínhamos mais ‘trânsito’, e conseguíamos realizar determinados eventos. Então, sobre o congresso neste mês, creio sim que podemos lançar novas ideias. E principalmente mostrar a jovens lideranças, que estão chegando, que o caminho é a discussão, enfrentamento e respeito pela causa. Acredito que o congresso será marco histórico e terá sequência, pois haverá a participação de muitos estudantes e profissionais de diferentes áreas. Eles levarão adiante a ideia, que poderá ser a cada dois anos, ou de quatro em quatro anos. Afinal, não é quando os ‘aguapés’ começam a se mexer?”.

DEFINIÇÕES do congresso, conforme a opinião da servidora pública: “Os negros historicamente recebem os menores salários, muitos em condições desumanas de trabalho. Também sofrem com o assédio moral. Mesmo com algumas mudança nas condições de vida das mulheres e homens negros, consequência de iniciativas governamentais em relação à política de promoção da igualdade racial, ainda persistem os diferenciais que, comparativamente aos brancos, colocam os negros em desvantagem. Com o congresso considero que, certamente após a conclusão dos debates, teremos a deliberação de documento. Com isso, poderemos cobrar das instâncias governamentais, o devido respeito à comunidade negra local. Estaremos deixando bem claro o quanto contribuímos com esta cidade, e por isso reivindicamos reconhecimento e atitude”.