sábado, 20 de fevereiro de 2016



O velho lobo uiva
e o bardo ainda brada


por Enilton Grill


Bob Dylan
Maio, 24, 1941
Duluth, Minessota
Estados Unidos



Dia desses, Bob Dylan concedeu entrevista para o The Times, e disse que se considera um 'lobo solitário'. "Acho que é a terra onde nasci. As florestas, a vastidão. A terra me criou. Sou selvagem e solitário (...)Sou mais aventureiro do que um homem de relacionamentos", declarou Dylan.

Final dos anos sessenta. Os Beatles estavam na Índia. Os Estados Unidos pareciam embrulhados num cobertor de fúria. Universitários arrebentavam carros estacionados, espatifavam vidraças. 

A guerra do Vietnã colocava o país numa depressão profunda. As cidades rugiam em chamas, os cassetetes estavam descendo. Os testes de ácido seguiam a todo vapor, e o ácido dava a 'atitude certa' para as pessoas.

A nova visão de mundo mudava a sociedade, e todo mundo se movia rápido - em ritmo acelerado. Estroboscópios, luzes negras - as maiores loucuras, a onda do futuro.


Foi nesse contexto que Bob Dylan, sabe-se lá como, abriu caminho para uma torrente de atitude e sabedoria, simbolismo e ambição que explodiu em um turbilhão de inovação, poesia e dissonância. E, ao fazê-lo, completou sua maior obra: a invenção dele mesmo.

"Tento ler através da poeira/ o futuro pra mim já é coisa do passado." Com versos assim, Robert Zimmerman, conhecido no planeta como Bob Dylan, adiantava-se ao seu tempo e, parafraseando Carlos Drummond de Andrade, não queria apenas ser moderno, ele aspirava ser eterno. E conseguiu.

Aos 74 anos de idade, Bob Dylan está na plenitude. Tanto quanto o esteve na juventude. A prova disso é um de seus mais recente álbum, 'Tempest'.


O nome do álbum recebeu algumas interpretações.

Alguns achavam que era uma referência à peça 'The Tempest', último trabalho de Shakespeare – ideia que Dylan tratou de refutar em uma entrevista afirmando que seu álbum chamava-se apenas 'Tempest'.

E isso significava algo completamente diferente, esclareceu.

Ou seja: nada mais igual ao Dylan de antigamente.

Robert Allen Zimmerman está vivo - já o mataram algumas vezes - e muito vivo.

Longe de muitos dos seus colegas de profissão, Bob Dylan não vive à sombra de um passado de glórias. Coisa de quatro anos atrás, o bardo foi questionado se já considerou a ideia de comercializar a 'nostalgia', de forma similar a vários artistas de sua geração.

Dylan respondeu: "Eu não poderia, mesmo que quisesse ou tentasse. Esses artistas que você está falando, todos eles tinham músicas óbvias e de grande visibilidade. Meu negócio é diferente desses caras. É algo mais desesperado".

Poeta laureado. Profeta num casaco surrado. Napoleão esfarrapado. Um judeu. Um cristão. Bob Dylan é pura contradição. Já foi analisado, classificado, categorizado, crucificado, definido e dissecado. Já foi endeusado, inspecionado e rejeitado. Mas nunca completamente entendido.

Bob Dylan tornou as palavras mais importantes que a melodia. Deu cor às vogais e regulou o movimento das consoantes. Fundiu poesia e música como os beats já tinham tentado antes. E depois, tal qual um vagabundo, botou o pé na estrada. Foi fundo. Ganhou o mundo.

"Ei, ei Woody Guthrie, eu te escrevi uma canção..." Vinte anos tinha Bob Dylan quando escreveu esta canção. Era sobre um velho e engraçado mundo, que estava doente, faminto, exausto e descosturado. Parecia moribundo. Mas acabara de ser batizado.


Bob Dylan chegou a Nova York em janeiro de 1961. Fazia muito frio. O vento soprava e a neve rodopiava nas ruas de luzes avermelhadas. Ele não era conhecido e não conhecia ninguém. Não estava em busca de dinheiro. Nem de amor e nem de amém.

"Quantas estradas precisará um homem andar/ Antes que possam chama-lo de homem?", perguntava Dylan.

A resposta, passados mais de cinquenta anos, parece cada vez mais distante. Mas o vento ainda sopra. O velho lobo uiva. Ouçam Tempest. A voz do bardo ainda brada tanto quanto antes. Mas está mais grave. Parece sair das entranhas. Da mais distante das montanhas para nos alertar que os tempos mudaram e que as águas aumentaram. E o que era outrora delirante está cambaleante.

Enfim. As coisas mudam e o tempo passa. Pode não haver mais caminho de volta. Mas ainda há uma estrada. A roda gira. Temos mais dúvidas e menos verdades. Somos mais jovens do que os nossos pais o eram na nossa idade. E os nossos filhos mais que nós. Isso não tem preço. Tem nome e sobrenome: Bob Dylan. 

A história é circular e há tantas facetas em Bob Dylan que ele é esférico. O passado pode ser prelúdio ou poslúdio. As estradas foram muitas. A que ele está agora parece ser de mais busca e mais descoberta e mais criatividade com o avançar da idade.

Hoje, aos 74 anos, Dylan ainda ajuda a definir estes tempos cambiantes e intolerantes. E isso é muito mais que importante: é determinante e reconfortante.