terça-feira, 14 de maio de 2013


CHARLES BUKOWSKI:
VIDA E LOUCURAS 
DE UM VELHO SAFADO


PREFÁCIO do livro


Charles Bukowski levantou-se da cadeira e pegou uma cerveja na geladeira, atrás dele, no palco. A platéia aplaudiu enquanto ele bebia, emborcando a garrafa até tomar a última gota dourada.

"Isto não é uma muleta", disse ele, falando lentamente, com uma cadência na voz, como W. C. Fields. "É uma necesssssidade." A platéia riu e aplaudiu. Uma jovem na frente gritou que ele era um velho legal. 

De fato, aos cinqüenta e dois anos, Bukowski tinha idade suficiente para ser pai da maior parte dos garotos que ali estavam para ouvir sua leitura e, por isso, sua atitude tornava-se muito mais engraçada. Bukowski tinha uma aparência estranha e um modo peculiar de falar.

Era um homem alto, de um metro e oitenta, encorpado, com uma barriga de cerveja, mas sua cabeça parecia grande demais para o corpo, e o rosto era assustador como uma máscara de Frankenstein: queixo comprido, lábios finos, olhos tristes, apertados e encovados. Um grande nariz de beberrão, vermelho e roxo, com veias rompidas, e uma barba grisalha e desigual sobre a pele oleosa, marcada pela acne: pele tão ruim que parecia trazer as marcas de uma queimadura.


Voara para São Francisco, em setembro de 1972, levado pelos editores da City Lights Books, em razão do sucesso de uma coletânea de seus contos, "Ereções, Ejaculações e Exibicionismos" e "Crônica de um Amor Louco". O livro era dedicado a sua jovem namorada, Linda King:

quem a trouxe a mim
e quem vai levá-la
embora

Oitocentas pessoas pagaram para entrar em um ginásio em Telegraph Hill, ansiosas por ver o autor de Life in a Texas Whorehouse e outras histórias chocantes, aparentemente autobiográficas. A ideia de aparecer diante delas aterrorizava Bukowski.

Embora sua aparência causasse um certo impacto, era um tímido inveterado e odiava a si mesmo por ter arrastado seu traseiro até a cidade dos escritores beatnik, um grupo do qual não gostava e no qual não se inseria.

Bebera durante todo o dia para criar coragem.


No voo de Los Angeles pela manhã, no restaurante italiano em que ele e Linda almoçaram e atrás da cortina enquanto esperava a deixa para entrar em cena. Seu rosto estava cinza de medo. Vomitou duas vezes.

"Sabe, é mais fácil trabalhar em uma fábrica", disse ao amigo Taylor Hackford, que filmava um documentário. "Não tem essa pressão." A multidão o conhecia por seus contos, mas Bukowski leu poesia. Poemas sobre bebida, jogo, sexo e até mesmo idas ao banheiro ­ ele sabia que só o título "piss and shit" já os faria rir.

"Vejam, alguns desses poemas são sérios, e tenho que me desculpar porque sei que algumas platéias não gostam de poemas sérios. Mas tenho que ler alguns de vez em quando para mostrar que não sou uma máquina de beber cerveja." 


Escolheu um poema sobre seu pai, a quem odiara com toda a força. Chamava-se "the rat":

com um murro, aos 16 anos e ½,
derrubei meu pai,
um filho da puta cruel com mau hálito,
e não voltei para casa por um tempo, só vez por outra para batalhar um dólar com a querida mamãe.
era 1937 e Los Angeles era uma grande
Viena.

...

eu? Tenho 30 anos,
a cidade está quatro ou cinco vezes maior
mas tão acabada quanto
e as garotas ainda cospem quando
passo, outra guerra se cria por outra
razão, e não consigo emprego agora
pela mesma razão de outrora:
não sei fazer nada, não consigo fazer
nada.


Parecia que ia chorar quando terminou os últimos e tristes versos, mas mudou de repente e começou a representar o rebelde novamente. "Eu conheço você?", perguntou a uma fã, que fez um pedido. "Não seja insolente, gracinha...", ameaçou, desatando a rir. "Mais uma cerveja e vou pegar todos vocês." Jogou a cabeça para trás, deixando à mostra os dentes estragados, e gargalhou. "Ha, ha, ha. Cuidado!"

Outro fã tentou subir no palco.


"Que diabos você quer, cara? Sai do meu pé!", disse Bukowski, como se falasse com um cachorro. "Quem é você, algum babaca?" O público gritou e gargalhou. Alguém perguntou quantas cervejas ele conseguia beber. Outros não estavam tão impressionados e exigiam que Bukowski parasse de perder tempo. Eles haviam pago para ouvir sua poesia, não para ver um bêbado. "Vocês querem poemas?", provocou os alunos, antipatizando com suas roupas caras e rostos despreocupados. "Implorem."

"Foda-se, cara!"

"Mais algum comentário?"

Quanto mais bêbado ficava, mais hostil se tornava, e mais hostilidade recebia da platéia. "No final, eles atiravam garrafas", recorda o poeta beat Lawrence Ferlinghetti, dono da City Lights Books, que abriu caminho, à força, para tirar Bukowski de lá, pensando em sua própria segurança.