sexta-feira, 6 de julho de 2012


belchior


entrevista para o américas
(início dos anos 90)


as influências

tenho uma formação musical bastante tradicional que vem da minha família. minha mãe cantava em coro de igreja, meu avô tocava saxofone e tive vários tios boêmios que tocavam violão. depois a música dos cantadores e violeiros do nordeste e sobretudo o serviço de alto-falantes que foi fundamental, para mim, foi lá que ouvi a música universal.

os alto-falantes

são toca-discos em um serviço ambulante, tem noticiários como uma rádio, e vai para os parques e festas públicas. é uma coisa bastante especial porque apresenta as músicas de sucesso e atende a pedidos musicais.

os autores prediletos

para mim o melhor cantor é ray charles; de um modo geral a melhor música cantada é a música negra americana. gosto de john lennon, bob dylan, george brassens e daqui do brasil o pessoal da minha geração que foi o que deu o impulso de modernidade na música popular e que me pareceu mais interessado na música como evento poético.

a universalidade

o conceito que mais me atrai na música não é aquele de música universal, mas de música híbrida, somada, a fusão de tudo.

a palo seco

este disco (primeiro) não obteve consagração junto à crítica e vendeu muito pouco, mas é um disco inicial e tem muita importância para mim, pois todas as vertentes que geraram o meu trabalho posterior estão nele representadas.

o estilo musical

o meu trabalho sempre foi a soma da música popular do nordeste com blues e rock balada, e ocasionalmente com elementos do country.

o começo

1969 foi o ano em que comecei a fazer música.

o tropicalismo

sendo o meu trabalho imediatamente posterior à tropicália já fazia um levantamento crítico do suprassumo da cultura brasileira naquele momento.

o mau (movimento artístico universitário)

nunca participei do 'mau', mas sim do que na época se chama 'pessoal do ceará' que era apenas um nome inespecífico usado para identificar a leva de artistas que vinha do ceará para tentar a vida no eixo rio-são paulo.

os festivais do mau

participei de um festival universitário de música popular em 1971 e ganhei com a música ‘na hora do almoço’. a vitória desta música foi importante porque provou que no nordeste se fazia uma música que de certa forma rompia com a tradição e o que estava sendo feito no ceará naquele momento podia competir com o que havia de melhor na mpb.

a censura

todos os meus discos tiveram problemas mais ou menos graves com a censura. várias vezes tive eu ir à brasília me explicar. é bom dizer que isto não é um fato muito importante porque não confere nenhuma qualidade especial à música. está até ligado ao preconceito de que o que é proibido é sempre melhor.

o interiorano

a minha música vive um pouco o drama do emigrante. essa aventura que é uma vertente subjacente de toda a minha geração. aquilo de sair de casa para mudar o mundo. abandonar a família e a universidade para buscar outras formas de conhecimento do mundo. tudo isso faz parte de uma ideologia que condiz com o meu trabalho e com as pessoas intelectualizadas das províncias.

a poesia

sou leitor de poesia desde os dez anos de idade. li dante, mallarmé, os românticos brasileiros, os simbolistas franceses...aqui no brasil prefiro os concretistas, drummond na primeira fase, joão cabral, manuel bandeira, gregório de matos e álvaro de azevedo. e isso me dá uma base sólida o suficiente para reconhecer que a música popular é uma arte de segunda instância.

o artista

só há uma coisa que o artista deve sempre fazer: desobedecer. eu só acredito na dignidade do artista através da rebeldia.