quarta-feira, 10 de agosto de 2011


YA NO HAY LOCOS

Tributo a um Velho Condor


Ya no hay locos, amigos,
ya no hay locos.
Se murió aquel manchego,
aquel estrafalario
fantasma del desierto!
          León Felipe
                Poeta
              Espanha
            1884-1968


Em memória de Deogar Soares
1936-2003


POR ENILTON GRILL


Qual o motivo de escrever este tributo? Nenhum. Não preciso de motivos e nem datas pra escrever. Escrevo quando me dá vontade. Mas escrevo também quando tenho saudade. E na verdade agora me deu saudade. Saudade do Velho. Saudade do futuro.

Radialista e idealizador do programa Tribuna Sindical na RU. Membro fundador, junto com o Clayton Rocha, do Pelotas 13 horas. Jornalista, fotógrafo e poeta. Idealista, radical e revolucionário. Mas o Velho era meio louco também. 

É uma pena que já não haja loucos como o Velho. Pensando bem há de ter. Mas onde estão? Que falta nos faz gente assim. Está tudo muito chato. Todos estamos muito cordatos, muito pacatos. 

Mas, voltando ao Velho, comentei com ele, certa vez, sobre uma frase dita por Facundo Cabral, escritor, poeta e compositor argentino. A frase dizia assim: 

"A maior de todas as revoluções é revolucionar-se." 

E o Velho, com aquele jeito dele, parou, pensou e concordou. E em seguida emendou: 

- Tenho o hábito de acordar bem cedo. Às 5 da manhã. Preparo um mate e medito sobre os meus erros e os meus acertos. 

Depois lembrou uma frase do Che: 

"A primeira condição para modificar a realidade consiste em conhecê-la."

Estávamos numa das esquinas do centro, a conversa rolava por aí, quando chegamos à Revolução dos Cravos, em Portugal. Uma revolução que ficou marcada pela vitória das flores sobre os tanques. Dos cravos sobre os fuzis. Daí o nome de Revolução dos Cravos. Uma luta em que não foi dado um único tiro. Uma luta de onde da boca dos canos dos fuzis em vez de serem disparadas balas brotavam cravos.

Quando estávamos nos despedindo perguntei se ele conhecia uma música chamada Grândola Vila Morena, de José Afonso. Ele disse que não. Prometi levar a música pra escutar tomando um mate na casa dele. Prometi, mas não cumpri. A música fala, entre outras coisas, de que ‘em cada esquina um amigo e em cada rosto igualdade’.

Quanto a mim, digo que as esquinas desta cidade nunca mais serão as mesmas. Foram nas esquinas do centro as nossas melhores e mais longas conversas. Quase sempre nos encontrávamos ao acaso. De registro, nada. Mas a memória anda por aí., livre a voar. 

Quanto ao motivo deste tributo?! É que a memória estava louca para lembrar.

Dia desses reli as três metamorfoses do espírito de Nietzche. Que diz de quando o espírito se transforma em camelo; o camelo em leão; e o leão em criança. O Velho alcançou o último. O Velho era uma criança. Não tinha juízo. Dizia e fazia o que queria. Senti saudade dele. Senti saudade do futuro. 

- Mas chega de esperar por ele, cara!, assim falava o Velho.