terça-feira, 9 de agosto de 2011

 

ANTONIN ARTAUD


Poeta, ator, escritor e diretor de teatro francês
Marselha, 1896
Paris, 1948


O mundo ardia na guerra
Quando Joquim louco saiu da prisão
Os guardas queimaram
Os projetos e os livros
E ele apenas riu, e se foi
Em Satolep alternou o trabalho
Com longas horas sob o sol
Num quarto de vidro no terraço da casa
Lendo Artaud, Rimbaud, Breton. 
                                  Joquim 
                            Vitor Ramil


Por Enilton Grill




'Maldito', marginalizado e incompreendido enquanto viveu, encarnação máxima do gênio romântico, da imagem do artista iluminado e louco, Artaud passou a ser reconhecido depois da sua morte como um dos mais marcantes e inovadores criadores do nosso século. 

Tudo o que, aos olhos dos seus contemporâneos pareceu mero delírio e sintoma de loucura, agora é referência obrigatória para as mais avançadas correntes de pensamento crítico e criação artística nas suas várias manifestações: teatro, arte de vanguarda e criações experimentais, manifestações coletivas e espontâneas, poesia, lingüística e semiologia, psicanálise e antipsiquiatria, cultura e contracultura.

Poeta de dicção baudelairiana simbolista no começo, Artaud queimou seus escritos de juventude e renegou seu primeiro livro publicado, 'Le Tric-Trac du Ciel', de 1923 - um opúsculo de tiragem reduzida e feita artesanalmente, bem na linha, assim como várias outras publicações suas, do que hoje se convencionou chamar de edições 'marginais' ou 'independentes'.

Artaud participou do movimento surrealista de 1924 até 1926, ativa e assiduamente. Editou o nº 3 do La Révolution Surréaliste e dirigiu o Bureau de Recherches Surréalistes. Rompe com os surrealistas no primeiro grande 'racha' desse movimento, saindo quando foi decidida a adesão do surrealismo ao marxismo e ao PC.

A ruptura foi polêmica, com trocas de insultos e acusações. Sobretudo, com Breton. Mas a partir de 1936, Artaud e Breton voltaram a corresponder-se até o fim da vida de Artaud. Os surrealistas estavam, inclusive, entre os intelectuais franceses que se mobilizaram para dar assistência a Artaud no fim da sua vida.

Depois da ruptura com o Surrealismo, Artaud passa a dedicar-se ao Théatre Alfred Jarry, grupo teatral de vanguarda que durou de 1926 até 1929 e que, em meio a grandes dificuldades financeiras, produziu espetáculos polêmicos e inovadores. 

Também são desse período a sua tradução-adaptação de The Monk de Lewis (1931), obra de horror gótico apontada por Breton como precursora do Surrealismo, e o seu Héliogabale ou L’Anarchiste Couronné, fruto de detalhada pesquisa sobre o assunto (1931/33).

Depois de uma sucessão de fracassos (incluindo palestras nas quais o público abandonava a sala ou o vaiava) e que culmina com Les Cenci, Artaud resolve mudar tudo, trocar o texto pela vida e vivenciar pessoalmente a realidade mítica que tanto o fascinava e que era tematizada na sua obra. Para tal, consegue uma subvenção que lhe permite ir ao México pesquisar o ritual do peiote entre os índios Taraumaras. 

A viagem tem várias finalidades: Artaud quer sair do ambiente cultural europeu, em que não o entendiam e que o sufocava; também busca unia cura, através da magia dos índios, para seus problemas de saúde e sua dependência da droga. Acaba encontrando a antevisão do seu calvário, conforme assinala num dos trechos da Viagem ao País dos Taraumaras (publicado em 1945).

De volta a Paris, Artaud passa a expressar-se num tom profético e delirante, vendo-se como o emissário de catástrofes que se aproximavam: tanto de uma catástrofe no plano mundial quanto no da sua vida pessoal. Os fatos mostraram que não estava errado em nenhuma das duas antevisões. 

Essa é a tônica de Les Nouvelles Révélatíons de L’Être (1937), obra publicada sob pseudônimo, assinada apenas por O Iluminado, inspirada em estudos do Tarot e da Cabala, na qual ele abole sua individualidade, sua condição de autor, para ser mero veículo da palavra profética.

Na mesma época, faz sucessivos tratamentos de desintoxicação, faz mais uma conferência escandalosa na Bélgica e, em fins de 1937, viaja para a Irlanda, munido do seu 'bastão mágico', uma bengala entalhada de São Patrício que levava como se fosse um bruxo com seu talismã. Em Dublin, envolve-se numa confusão até hoje mal esclarecida, na qual perde o bastão e é deportado. Chega à França preso e em camisa-de-força.

Então começa a parte mais dolorosa e terrível da sua trajetória, seu verdadeiro calvário. Ele, que sempre, abominara os psiquiatras e os hospícios, passa os nove anos seguintes internado, de hospício em hospício. 

Por um período, Artaud desaparece nessas clínicas não se sabendo exatamente pelo que passou e o quanto sofreu. É certo que passou fome e esteve em risco de vida em Ville-Évrard, hospício para o confinamento de loucos tidos, como irrecuperáveis.

A partir de 1943, é transferido para Rodez, graças à intervenção do poeta Robert Desnos (que, dois anos depois, morreria de tifo num campo de concentração) e de outros intelectuais. Artaud sai de Ville-Évrard macilento e envelhecido. Em Rodez, é melhor tratado - seu psiquiatra, Dr. Gaston Ferdière, o estimula a escrever e a desenhar; no entanto, além de tratá-lo de maneira paternalista, aplica-lhe eletrochoques.

Em 1946, terminada a guerra, intelectuais de destaque mobilizam-se para tirar Artaud de Rodez e garantir sua subsistência. Entre outros, participaram dessa mobilização figuras do porte de André Breton (que integrou um comitê pró-Artaud), Picasso, Albert Camus, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Jean-Louis Barrault, François Mauriac e Paul Éluard.

Nessa fase final de sua vida, Artaud grava ‘Para acabar com o julgamento de deus’ para o programa La Voix des Poètes da Radiodifusão Francesa. A transmissão é proibida pelo diretor da rádio, provocando uma grande polêmica que repercute na imprensa. 

Essa foi a última manifestação de Artaud em vida: como todas as anteriores, marcada pela incompreensão e pela derrota, encerrando uma trajetória de encenações teatrais mal-entendidas e rejeitadas pela critica e de textos que, enquanto viveu, foram publicados em pequenas tiragens e lidos apenas por uma minoria de intelectuais mais esclarecidos.

A 4 de março de 1948, Artaud é encontrado morto no seu quarto de Ivry, caído aos pés da cama, agarrando um sapato. O diagnóstico é câncer no reto. O Dr. Ferdière, que o tratara em Rodez, insinua que na verdade ele morreu envenenado, intoxicado pelas quantidades de heroína e morfina que tomava. 

Mas a verdade é que Artaud já sofria de problemas intestinais (mencionados nas suas cartas) e sua saúde piorava visivelmente nos últimos anos de sua vida.  

Os excessos, a sociedade, o sistema, a incompreensão, as desilusões, os fracassos...Enfim, Artaud teve o fim que quase todos os sonhadores, utópicos e homens além do seu tempo tinham e ainda tem. Morrer de tristeza. Com certeza.

Enilton Grill
Autor deste blog
Pesquisador e ativista cultural
Produtor e apresentador do programa Américas
RádioCom 104.5FM