quinta-feira, 15 de maio de 2014


Vou falar

sobre afrescos
sobre a capela sistina
sobre línguas neolatinas 
sobre averróis e sobre filosofia
e, claro, sobre poesia



Por Enilton Grill



Do italiano "buona fresco" ("boa nova"), o afresco é, segundo alguns, a pintura mural mais antiga e resistente da história da arte. Representa para a pintura contemporânea o que representa o latim para as línguas neolatinas. O maior pintor de afrescos do mundo talvez tenha sido o renascentista italiano Michelangelo Buonarrotti, autor dos famosos afrescos da Capela Sistina.

Mas há outros. Rafael, por exemplo, pintou Escola de Atenas, afresco onde Abu-I-Walid Muhammad Ibn Rushd aparece ao lado de Sócrates e Platão na Academia. Foi a maneira que o genial pintor e arquiteto italiano encontrou para homenagear um dos luminares da humanidade.

Mas quem foi esse muçulmano que os árabes chamavam simplesmente de Ibn Rushd e o Ocidente de Averróis? Além da astronomia e do direito canônico muçulmano, Averróis se ocupou e muito da filosofia.

Erasmo de Rotterdam, Descartes, John Locke, Kant e Spinoza, só para citarmos alguns dos mais famosos teólogos e filósofos da história da humanidade beneficiaram-se da sabedoria de Ibn Rushd.

Eram tão profundos seus questionamentos filosóficos que um dos doutores da Igreja, Santo Tomás de Aquino, passou a vida tentando explicar um deles que versava sobre 'Essência e Existência', questão essa que perdura até hoje.

Ibn Rushd foi apenas um entre tantos sábios muçulmanos. Esses mesmos muçulmanos que depois de Bush Filho e Ariel Sharon tornaram-se vítimas de uma das campanhas difamatórias mais vergonhosas e menores das muitas já disseminadas pelos Estados Unidos e por Israel.

Depois de desumanizarem os palestinos para que a humanidade assista passivamente aos massacres diários, querem, porque querem, vender a imagem de que todo muçulmano é terrorista. Como se os muçulmanos tivessem sido responsáveis pela Inquisição, pelas duas guerras mundiais e pelas bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki.

Pronto, falei. Mas falei quase nada sobre afrescos e sobre a Capela Sistina e menos ainda sobre línguas neolatinas. Falei um pouco sobre Averróis e um pouco mais sobre filosofia e muito menos do que eu queria sobre a islamofobia. Fica pra outro dia. Por ora, vos deixo. Com poesia.

"A democracia israelense não suporta que os palestinos fiquem e mesmo assim nós ficamos”, disse mais de uma vez o poeta Tawfic Zayyad. E diria outras mais, não tivesse morrido. Mas sua poesia está aí. Fala por ele e por nós. E por vós também. Amém!

Aqui
(Não iremos embora)
por Tawfic Zayyad
Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em vossas goelas
Como cacos de vidro
Imperturbáveis
E em vossos olhos
Como uma tempestade de fogo

Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em lavar os pratos em vossas casas
Em encher os copos dos senhores
Em esfregar os ladrilhos das cozinhas pretas
Para arrancar
A comida de nossos filhos
De vossas presas azuis

Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Famintos
Nus
Provocadores

Recitando poemas
Guardamos a sombra
Das laranjeiras e das oliveiras
Semeamos as idéias como o fermento na massa
Nossos nervos são de gelo
Mas nossos corações vomitam fogo

Quando tivermos sede
Espremeremos as pedras
E comeremos terra
Quando estivermos famintos
Mas não iremos embora
E não seremos avarentos com nosso sangue

Aqui
Temos um passado
E um presente
Aqui
Está nosso futuro