sábado, 12 de abril de 2014

Cândido Portinari
Despejados - 1934
Óleo sobre tela
Tam: 60x73cm

MANIFESTE-SE!
OS BARRACOS ESTÃO NO CHÃO




"'Dentro de dez dias
quero a favela vazia e 
os barracos todos no chão.'
É uma ordem superior. 
Ô meu senhor, 
é uma ordem superior"
DESPEJO NA FAVELA
ADONIRAN BARBOSA, 1969



por Enilton Grill*



Em 1980, eu tinha 15 anos. E foi por aí que ouvi pela primeira vez Adoniran Barbosa. Foi nessa época que comecei a conhecer e me interessar mais por questões políticas e sociais. A ditadura ruía. O milagre (econômico) sucumbia. A desigualdade (social) emergia e eu ouvia uma canção que dizia: "tristeza não tem fim, felicidade sim". Era "A Felicidade", de Vinicius de Moraes e Tom Jobim. A bossa nova foi criada por jovens da classe média carioca, que misturaram samba, jazz e poesia. Nas ruas, o povo pedia, exigia anistia. Brizola, Gabeira, Betinho, Arraes e outros tantos mais voltaram. O país, em breve, reassumiria a democracia. Daí pra frente, elegemos quatro presidentes diferentes. Na minha opinião, mais erramos do que acertamos. Mas lutamos, votamos e cá estamos. E hoje, assim nos saudamos: Ditadura nunca mais!

Voltando a Vinicius de Moraes, no Samba da benção, parceria com Baden Powell, o poeta diz que é melhor ser alegre que ser triste, que a alegria é a melhor coisa que existe. Tristeza e alegria, bela dicotomia. Triste ou alegre é a vida, se assim lhe parece. Einstein já dizia que tudo tem que ser relativizado. Verdade, tudo tem que ser contextualizado.

Por exemplo, há quem defenda a Copa do Mundo neste país. E para isso, entre outras coisas, diz "que vai entrar muito dinheiro novo no nosso país e todos vão ganhar com a Copa. Motoristas de táxis, hotéis, restaurantes, boates, lojas, shoppings, todos vão faturar. Quem for pró-ativo e parar com esta choradeira que a Copa não é boa para o Brasil poderá faturar bastante." 

Para uma pequena parcela da sociedade isso pode até ser verdade. Mas, para a restante, está muito distante da realidade. É bom lembrar mais uma vez Vinicius, que no Samba da bênção diz que pra fazer um samba com beleza, é preciso um bocado de tristeza.

"Despejo na favela", de Adoniran Barbosa, é um samba triste. Narra a história de seu Narciso, um morador de favela que recebe uma carta de um oficial da justiça. Ele, e todas as outras pessoas que vivem nos barracos, devem se retirar. Por ordem superior serão despejados. Seu Narciso responde que para ele tudo bem. Ele tem pouca coisa mesmo e em qualquer lugar ele se ajeita. Mas e o resto das pessoas? Essa gente aí, hein, como é que faz?

Quanto a mim, tanto faz Vinicius, Adoniran ou Tom Jobim. Os três, na minha vida, têm sua voz e sua vez. Já, em relação à Copa do Mundo aqui no Brasil, não vou ficar em cima do muro; sou contra. E, para provar, vou lembrar Sartre. Disse o filósofo francês certa vez: "Detesto as vítimas quando elas respeitam seus carrascos."

Concordo, claro, com Sartre. E também por isso que ele diz nessa frase sou a favor de toda e qualquer manifestação contrária à Copa do Mundo aqui no nosso país. Concordo, por exemplo, com um cartaz que diz: Da Copa eu abro mão! Quero dinheiro pra saúde e educação.

É claro que a culpa de não haver mais dinheiro pra saúde e educação não é só da Copa do Mundo. Caso a Copa do Mundo não se realizasse aqui no Brasil, ainda assim não haveria mais dinheiro pra saúde e educação. Mas não é essa a questão. A questão é que para a Copa arrumam dinheiro fácil fácil; e pra saúde e educação não. Então, qual a solução? Manifeste-se! Para combater e tentar resolver isso, só com manifestação.

Mas tem uma outra questão: por aqui, futebol e a pátria estão sempre unidos; e com frequência os políticos e os ditadores especulam com esses vínculos de identidade. É bom não esquecer 1970. É bom lembrar - seria melhor esquecer pra não chorar - o Fernando Henrique e o Vampeta. 

Enfim, se o Brasil for campeão, e, mais ainda se não for, não vai faltar quem tire proveito da situação. Os aproveitadores de ocasião. Aqueles, que, em busca de projeção, passam a vida com o pires na mão. Para essa gente tanto faz se a favela está vazia e os barracos todos no chão. E para tentar tirar todos eles de onde estão, só com manifestação.

Em relação à realização da Copa aqui no Brasil, acho que não há dúvida quanto a minha posição. A questão que se apresenta é se vou ou não torcer para o Brasil. Acho que não. Acho que o Uruguai merece mais. O Uruguai tem um presidente que se importa menos com o poder e mais com sua gente. E se o Mujica não faz mais, pelo menos tenta. Além do mais, o Brasil já é Penta e o Uruguai é recém Bi. E a última vez faz tempo, foi aqui, foi em 50.

Enilton Grill é radialista e ativista cultural.
Produziu e apresentou o programa Américas
É o autor do blog Américas
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ejgrill@gmail.com