sábado, 19 de outubro de 2013



VINICIUS DE MORAES


POR PARTES




MULHERES

Além da qualidade literária, Vinicius entrou para a História como um homem amado pelos amigos e pelas mulheres — e às vezes odiado por algumas, é verdade. Morou com nove delas. A primeira foi Beatriz Azevedo de Mello, a Tati, que conheceu em 1938 e com quem viveu na Inglaterra, quando ganhou uma bolsa para estudar em Oxford. Em 1945, foi a vez de Regina Pederneiras, arquivista do Itamaraty. E, depois, de Lila Bôscoli, a quem foi apresentado, em 1951, por Rubem Braga. Em 1958, o Poetinha casou-se com Lucinha Proença, musa da crônica “Para viver um grande amor”. A quinta foi Nelita Rocha, em 1963, trocada seis anos depois por Cristina Gurjão (cuja separação chamaria de “A guerra dos castiçais”). A sétima, Gesse Gessy, a partir de 1970, lhe apresentou o candomblé e o levou para morar em Itapuã (BA), tendo sido substituída mais tarde por Marta Rodriguez. Em 1978, casou-se com Gilda Mattoso, com quem vivia quando morreu.




AMIGOS

De amigos também estava sempre rodeado. Em 1936, já era próximo de gente como Carlos Drummond de Andrade. Em 1939, aproximou-se de Oswald de Andrade, e, em 1940, de Mario de Andrade. Dois anos depois, conheceu um de seus melhores amigos: João Cabral de Melo Neto. Grande parceiro musical, Tom Jobim apareceu em 1956. Em 1961, conheceu Carlos Lyra; um ano depois, Baden Powell. A histórica parceria com Toquinho começou em 1970.


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RELIGIÃO

Em 1920, Vinicius foi batizado na maçonaria, por vontade do avô, mas logo se aproximou da Igreja Católica ao fazer a primeira comunhão, em 1923 e, no ano seguinte, entrar para o colégio jesuíta Santo Inácio. Foi na escola que ele começou a cantar músicas religiosas e a escrever poemas de caráter metafísico, com referências ao catolicismo. 

Na biografia “Vinicius de Moraes — O poeta da paixão” (Companhia das Letras), o crítico e colunista do GLOBO José Castello diz que Vinicius cultivava um lado obscuro, sentindo-se vigiado por forças superiores, em contraste a seu comportamento extrovertido.

Anos depois, o poeta se colocaria entre a cruz e a encruzilhada, ao conhecer o candomblé. Quem lhe apresentou o culto dos orixás foi sua sétima mulher, Gessy Gesse, que era filha de santo de cabeça feita no terreiro de Mãe Menininha do Gantois. O casamento dos dois, mistura de ritual afro-brasileiro e cigano, teve até pacto de sangue.

No candomblé, ele encontrou um mundo sem noções de pecado e culpa. Em 1970, mesmo com medo, foi levado ao terreiro de Mãe Menininha, em Salvador. Assim que a ialorixá começou a falar com ele, o poeta desatou em um choro convulsivo. A mãe de santo teria dito que Vinicius era filho de Oxalá e mencionado o medo de avião do poeta sem que ele lhe contasse. Até o fim de sua vida, Vinicius atribuiria a Mãe Menininha o desaparecimento daquele medo.


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DIPLOMACIA

Vinicius de Moraes tentou entrar no Itamaraty, pela primeira vez, em 1942 — mas nem passou na prova. Nada que não pudesse ser corrigido um ano depois, em 1943, quando Vinicius foi aprovado. O primeiro posto diplomático surgiu três anos depois, em 1946, quando o poeta foi ser vice-cônsul do Brasil em Los Angeles, nos Estados Unidos.

Em 1956, pediu — e obteve — uma licença-prêmio no Ministério das Relações Exteriores, e voltou ao Brasil por uma temporada, para encenar “Orfeu da Conceição”, mesmo período em que o filme baseado na peça começa a ser produzido. Um ano depois, em Paris, divide-se entre o serviço diplomático e a música popular. No final do mesmo ano, é transferido para a embaixada brasileira no Uruguai, em Montevidéu.

Vinicius de Moraes volta ao Brasil só em 1960, quando a bossa nova começava a explodir no país. Neste momento, ele foi servir na Secretaria de Relações Exteriores, e fez vários lançamentos literários. Três anos depois, viajou de volta a Paris, com Nelita Rocha, sua nova esposa, para assumir um posto na delegação brasileira, na Unesco.

O poeta trabalhou no serviço diplomático nacional até 1969, logo depois da decretação do Ato Institucional nº 5. Por ordem do presidente Arthur Costa e Silva, Vinicius é demitido do Itamaraty, junto a outros diplomatas não alinhados ao regime.


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JORNALISMO

A atuação do poeta na imprensa é pouco lembrada, mas foi uma atividade que, entre idas e vindas, Vinicius exerceu por mais de 20 anos. Enquanto estudava para a prova do Itamaraty, em 1941, começou a trabalhar como colunista do jornal “A Manhã”, onde escrevia sobre cinema. Também colaborou com o suplemento literário do jornal, ao lado de autores como Cecília Meireles e Manuel Bandeira.

Em 1944, quando já estava no Itamaraty, Vinicius chegou a dirigir o suplemento. Sua atuação foi marcada pela qualidade dos colaboradores que conseguiu reunir, como Oscar Niemeyer, Pedro Nava, Afonso Arinos de Melo Franco, entre outros. No suplemento, também publicou desenhos de Carlos Scliar.

Um ano depois, virou colaborador do jornal “Diretrizes”, dirigido por Samuel Wainer. Em 1951, trabalhou novamente para Wainer, desta vez no jornal “Última Hora”, como cronista e, depois, crítico de cinema do caderno de cultura. Vinicius ficou um ano naquele veículo.

Até conselhos amorosos, quem diria, o poeta deu na imprensa. Em 1953, ele assinou o correio sentimental do semanário “Flan”, também de Wainer, mas dirigido pelo jornalista Joel Silveira. O nome de sua coluna era “Abra o coração”. O veículo só duraria nove meses. Depois, a convite de Silveira, Vinicius passou a escrever crônicas em “A Vanguarda”.


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LITERATURA

Os primeiros poemas de Vinicius de Moraes, muitos de temática religiosa, foram escritos no começo dos anos 1920, ainda na escola.

Já o primeiro publicado em revista foi “A transfiguração da montanha”, texto de inspiração bíblica com 152 versos, que saiu impresso em 1932 em “A ordem”.

Um ano depois, publicou pela editora Schmidt seu primeiro livro: “O caminho para a distância”. O segundo, “Forma e exegese”, saiu em 1935.

Três anos mais tarde, Vinicius estreou na José Olympio, com “Novos poemas”, consolidando-se como um dos principais nomes da Geração de 30 do modernismo.

Considerado pela crítica um marco de sua maturidade poética, “Cinco elegias” foi publicado em 1943. E, mais tarde, Manuel Bandeira o ajudou a fazer a seleção de sua “Antologia poética”, de 1954.

Já o famoso “Livro de sonetos” saiu três anos mais tarde, pela Livros de Portugal.

Em 1962, Fernando Sabino e Rubem Braga, donos da Editora do Autor, publicaram “Para viver um grande amor”, seu primeiro livro de crônicas. Braga também lançou, em 1970, pela Sabiá, os poemas infantis de “A arca de Noé”.

Oito anos depois, saíram “O falso mendigo” (Fontana), e “Amor total” (Record).

Ele ainda lançaria mais um livro (“Roteiro lírico e sentimental da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro”), mas perdeu os originais em 1979, quando teve um derrame ao voltar de viagem à Europa.


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MÚSICA

Em 1928, Vinicius conheceu os irmãos Paulo e Haroldo Tapajós no Colégio Santo Inácio. Com eles, compôs suas primeiras músicas, “Loura ou morena” e “Canção da noite” (com Paulo). Pouco depois, passou a se dedicar à literatura.

A retomada da música viria em 1953, quando ele compôs “Quando tu passas por mim”, gravada por Aracy de Almeida. Em 1956, com o musical “Orfeu da Conceição” no Teatro Municipal, ele iniciou sua parceria com Tom Jobim.

Dois anos depois, o álbum “Canção do amor demais”, de Elizeth Cardoso, consolidou a dupla, com 13 músicas assinadas por eles — no disco, se ouviu pela primeira vez a batida diferente de João Gilberto e a canção “Chega de saudade”. Em 1960, Tom e Vinicius foram para Brasília, com o objetivo de compor uma sinfonia para a nova capital, a convite do presidente Juscelino Kubitschek.

Vinicius participou de shows históricos, como “O encontro”, na boate Au Bon Gourmet, em 1962. Fundamental na criação da bossa nova, ele esteve presente também no início da chamada era dos festivais. “Arrastão”, feita com Edu Lobo, venceu , na voz de Elis Regina, o I Festival da TV Excelsior, em 1965.

Em 1966, lançou “Os afro-sambas”, disco que trazia parcerias com Baden Powell.

Na década de 1970, se aproximou de Toquinho,com quem gravou vários discos, inclusive o derradeiro, “Um pouco de ilusão”, em 1980. Naquele ano, chegou ao mercado o infantil “A arca de Noé”.



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TEATRO

Em 1942, ao visitar uma favela com o poeta norte-americano Waldo Frank, Vinicius teve a ideia de transpor o mito grego de Orfeu para um morro carioca. “Orfeu da Conceição”, resultado dessa ideia, é publicada, pela primeira vez, em 1954, na revista “Anhembi”. Escrita em versos decassílabos, ela foi premiada no concurso de teatro em homenagem aos 100 anos do estado de São Paulo.

Em 1956, a peça foi encenada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e recebeu muitos elogios. Vinicius convidou Antonio Carlos Jobim, a quem foi apresentado pelo amigo Lúcio Rangel, para cuidar da trilha sonora do espetáculo, iniciando com o maestro uma parceria que marcou a música popular brasileira. O responsável pela cenografia foi o arquiteto Oscar Niemeyer.

Em 1961, escreveu outras duas peças. Uma delas foi a realista “Procura-se uma rosa”. Baseada num anúncio de jornal, em que um homem procurava sua mulher, chamada Rosa, Vinicius desenvolveu a sua primeira peça em prosa. No mesmo ano, o poeta e dramaturgo escreveu também a naturalista “As feras (ou chacina em Barros Filho).”

Em 1965, foi publicada uma peça escrita por ele na década de 1930, “Cordélia e o Peregrino”. O autor teatral Vinicius de Moraes deixou ainda mais um texto : “Pobre menina rica”, uma comédia musical que acabou engavetada e ele nunca viu montada.



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 CINEMA

Devoto de Chaplin, entusiasta de Orson Welles e antipatizante do uso do som na telona, Vinicius foi cineclubista, autor de críticas (entre 1941 e 1953, em jornais como “A Manhã”, “Diário Carioca” e “Última Hora”) e ainda fornecedor de matéria-prima musical para 75 filmes de diversas nacionalidades.

Suas músicas atraíram do americano David Lynch (“Estrada perdida”) ao espanhol Pedro Almodóvar (“Fale com ela”). Mas o primeiro a levar seu repertório às salas exibidoras foi um brasileiro, Haroldo Costa, que usou “Eu não existo sem você” como canção principal do longa “Um desconhecido bate à porta” (também chamado de “Pista de grama”), em 1958.

Mas foi no ano seguinte que o nome de Vinicius ganhou luz na cena cinematográfica mundial ao largo da carreira de sucesso de “Orfeu Negro” (1959), do francês Marcel Camus. Baseado em peça do Poetinha, ele ganhou o Oscar de filme estrangeiro e a Palma de Ouro no Festival de Cannes.

No cinema nacional, fora seus préstimos como compositor, Vinicius foi creditado como produtor em “Garota de Ipanema” (1967), de Leon Hirszman,como argumentista em “Arrastão” (1966), de Antoine d’Ormesson, e ator em “Pluft, o fantasminha” (1965), de Romain Lesage.

Em 2005, sua vida virou cinema com “Vinicius” (2005), de Miguel Faria Jr., o documentário brasileiro mais bem-sucedido dos últimos 20 anos, com 272 mil pagantes.