sábado, 19 de outubro de 2013



VINICIANDO


POR FLAVIO PINHEIRO


Quando Vinicius morreu Marcelo Camelo, vocalista e compositor de Los Hermanos, tinha dois anos. Tem poucas e vagas lembranças de suas letras, mas algumas fortes como "A felicidade", uma das primeiras composições com Tom Jobim. Tristeza não tem fim/Felicidade sim. "Esse primeiro verso é um acontecimento, não?" Vai mais adiante. "E a relação que ele faz com o Carnaval e, sobretudo, com a trajetória da pluma (A felicidade é como a pluma/Que o vento vai levando pelo ar/Voa tão leve/Mas tem a vida breve/Precisa que haja vento sem parar). Tem conteúdo e forma. A poesia que nasce no significado e que por isso não é vaidosa. A estética não sobrepuja o significado porque ele é maior, mais forte...e é muito singelo".



No dia 31 de julho na abertura da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), uma das lentes do óculos saltou da órbita e Chico Buarque teve que ler seu Vinicius com uma lente só. Primeiro leu "Trecho", desavença de amor entre o Celo e a Flauta (Quem foi, perguntou o Celo/Que me desobedeceu?/Quem foi que entrou no meu reino/E em meu ouro remexeu). Depois, recitou "A Volta da mulher morena" com seu chorrilho de imprecações(Cortai os peitos da mulher morena...Daí morte cruel a mulher morena!). E ainda cantou "Medo de amar", que é só de Vinicius (Você não compreendeu que o ciúme é um mal de raiz/E que ter medo de amar não faz ninguém feliz). Delírio na platéia.



Na mesma noite, Antonio Cícero fez comovente leitura de Pátria Minha (A minha pátria não é florão, nem ostenta/Lábaro não; a minha pátria é desolação/De caminhos, a minha pátria é terra sedenta/E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular/Que bebe nuvem, come terra/E urina mar) Depois, Suzana Moares escandiu "Soneto do Corifeu" (São demais os perigos desta vida/Para quem tem paixão, principalmente/Quando uma lua surge de repente/E se deixa no céu, como esquecida). E outro clássico, "Poética (I)".

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
- Meu tempo é quando.


POÉTICA I