quarta-feira, 27 de junho de 2012


BEM-VINDO, DÉRCIO MARQUES


POR ENILTON GRILL



Há um Brasil. Há muitos Brasis. Há dois Brasis separados por um abismo. Há um Brasil tecnologicamente avançado. E há outro onde ressoam cantos e folias, acordes e mitologias. Há dois Brasis: um miserável e outro rico. Há um Brasil formado por um encontro de culturas. E há outro que reflete as consequências culturais do colonialismo. Há um Brasil que se lembra do mundo. E há outro que se esquece de si mesmo.

Morreu hoje Dércio Marques. Isso sei eu, você e mais um punhado de nós mesmos. O resto do Brasil não sabe e não saberá. Não haverá homenagens no rádio ou na televisão. Morreu um brasileiro quase desconhecido e isso não dá ibope. É uma pena. O Brasil ficaria maior não só pra fora como pra dentro. 

Violeiro, cantador, intérprete e compositor - muito pouco para descrever a riqueza deste mestre mineiro de Uberlândia, cidadão do mundo, baluarte da cultura popular, da natureza bruta destas terras.

Certa vez ele veio cantar e tocar aqui nesta cidade. Foi recebido por mim assim:


Ele vem de longe. Dos confins do mundaréu. Ele não tem pátria, nem rumo e nem brasões de gente nobre. Ele é filho de muitas mães e todas elas são pobres. Ele faz o caminho andando. Ele não se cansa de caminhar. Ele acaba de chegar. Seja bem-vindo Dércio Marques!


Ele vem das bandas do norte. Ele é filho das planícies, neto dos trovões cansados e irmão de estrela sem nome. Ele é amigo dos cães de gado. Ele fez o elo do sertão com o mar. Ele cantou Atahualpa e Elomar. Seja bem-vindo Dércio Marques!


Ele ama a luz, o silêncio, o caminho e as estrelas. Ele floresce em guitarras porque já foi madeira. Ele já percorreu trecho, plantou feijão no pó e procurou uma terra pra podê trabaiá. Hoje ele está aqui pra cantar suas cantigas de abraçar. Seja bem-vindo, Dércio Marques!


Uma parte de sua alma dilacera e devasta. Outra germina e brota. No seu jardim as flores falam e sabem ler. Na cabeça do tempo ele plantou um ipê amarelo. Ele traz a primavera nos sonhos. Ele traz a promessa de sol. Bem-vindo Dércio Marques!



Dei as boas-vindas a Dércio Marques num carreteiro oferecido a ele na casa do Umuarama. Ele cantou, tocou e meditou. Recitou poemas e versos. Sorriu e dormiu. Estávamos muitos de nós. Naquele dia, o sol nasceu e com ele muita poesia floresceu. Depois muita coisa aconteceu. Agora ele morreu. Mas quem viu não esqueceu.
Pelotas, 27 de junho de 2012
Enilton Grill