quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012



MILTON NASCIMENTO

POR RUY GUERRA


Antes de ser ligado a qualquer coisa, Milton é ligado à terra. Como Caymmi, de outro modo, foi ligado ao mar. Os sons de Milton, antes de serem voz e música, são coisas. Jogadas cara a cara, sem pudor e sem violência, antes tranquilamente. Mas com a angústia de quem tem os pés plantados em dois tempos, como raízes, os olhos vazados de paisagens de amanhã e na garganta o silêncio das multidões de agora. A música de Milton, antes de mais nada, abre as narinas de cheiros. É uma música sem modas. Gritada com a força animal de quem não foge do medo nem tem medo da alegria. Gritada em gestos largos, que não cabem nas grades das televisões. Um som que atravessa o tempo como uma raça. Um som sem metal, sofrido e contente como o grito de uma mulher no parto. Vindo de muito longe. Da América do Sul. De Diamantina. De um beco perdido. A caminho da gente.
Ruy Guerra