quinta-feira, 12 de janeiro de 2012



A NICARÁGUA
PÓS-REVOLUÇÃO SANDINISTA


POR EDUARDO GALEANO













Do livro
'Nós Dizemos Não'
1990


EM BUCARESTE,

um guindaste leva embora a estátua de Lênin. Em Moscou, uma multidão faz fila nas portas do Mcdonalds. O abominável muro de Berlim é vendido em pedacinhos, e Berlim Oriental comprova que está localizada à direita de Berlim Ocidental.


EM VARSÓVIA 

e em Budapeste, os Ministros da Economia falam igualzinho a Margareth Thatcher. Em Pequim também, enquanto os tanques esmagam estudantes. 



O PARTIDO COMUNISTA ITALIANO,

o mais numeroso do Ocidente, anuncia para breve seu suicídio. É reduzida a ajuda soviética à Etiópia e o coronel Mengistu descobre, subitamente, que o capitalismo é bom.


AS ELEIÇÕES

Os sandinistas, protagonistas da revolução mais linda do mundo, perdem as eleições: ‘Derrotada a revolução na Nicarágua’, estampam os jornais.

Nas recentes eleições da Nicarágua, a dignidade nacional perdeu a batalha. Foi vencida pela fome e pela guerra; mas também pelos ventos internacionais, que estão soprando contra a esquerda com mais força que nunca. 


INJUSTIÇA

Injustamente, os justos pagaram pelos pecadores. Os sandinistas não são os responsáveis pela fome, nem pela guerra; não cabe atribuir a eles a menor cota de culpa pelo que ocorria no Leste europeu.


PARADOXO DE PARADOXOS

Esta revolução democrática, pluralista, independente, que não copiou os soviéticos, nem os chineses, nem os cubanos, nem ninguém, pagou pelos pratos que outros quebraram, enquanto o Partido Comunista local votava em Violeta Chamorro.


O EMBARGO

Os autores da guerra e da fome celebram, agora, o resultado das eleições, que castiga as vítimas. No dia seguinte, o governo dos Estados Unidos anunciou o fim do embargo econômico imposto à Nicarágua. A mesma coisa tinha acontecido, anos atrás, quando houve o golpe militar no Chile. No dia seguinte à morte do presidente Allende, o preço internacional do cobre subiu num passe de mágica.


NA REALIDADE,

a revolução que derrubou a ditadura da família Somoza não teve, nestes dez longos anos, nenhum minuto de trégua. Foi invadida todos os dias por uma potência estrangeira e por seus criminosos de aluguel, e foi submetida a um incessante estado de sítio pelos banqueiros e os mercadores donos do mundo.

E apesar disso tudo conseguiu ser uma revolução mais civilizada que a francesa, porque não guilhotinou ou fuzilou ninguém, e mais tolerante que a norte-americana, porque, em plena guerra, permitiu, com algumas restrições, a livre expressão dos porta-vozes locais do amo colonial.


OS SANDINISTAS

alfabetizaram a Nicarágua, abateram consideravelmente a mortalidade infantil e deram terra aos camponeses. Mas a guerra sangrou o país. 

Os juízes da Corte Internacional de Haia ditaram sentença contra a agressão norte-americana, e isso não serviu para nada. E tampouco serviram as felicitações dos organismos da ONU especializados em educação, alimentação e saúde. Ninguém come aplausos.


OS INVASORES

raras vezes atacaram objetivos militares. Seus alvos preferidos foram as cooperativas agrárias. Quantos mil nicaragüenses foram mortos ou feridos, nesta década, por ordem do governo dos estados Unidos? 

Proporcionalmente, equivaleriam a três milhões de norte-americanos.

E no entanto, nestes anos, milhares de norte-americanos visitaram a Nicarágua e foram sempre bem-recebidos, e não aconteceu nada a nenhum deles.


APENAS UM MORREU

Foi morto pelos contra. Era muito jovem e era engenheiro e era palhaço. Caminhava perseguido por um enxame de crianças. Organizou na Nicarágua a primeira Escola de Palhaços. Os contra mataram-no., enquanto media a água de um lago para fazer uma represa. Seu nome era Ben Linder.
Eduardo Galeano
Do livro ‘Nós Dizemos Não’
1990