quinta-feira, 22 de dezembro de 2011



 O SENTIDO DA CAMINHADA


'Caminante
no hay camino
se hace camino
al andar'
Antonio Machado
Poeta Espanhol
Sevilla, 1875 - Collioure. 1939


POR ENILTON GRILL

Perguntado por um jornalista espanhol, como se definia artisticamente, Pedro Munhoz não teve dúvidas: - ‘Sou um caminhador’.

Dia desses, ouvi sem querer uma troca de ideias entre dois senhores. Eles falavam mal, muito mal, de uma marcha dos Sem Terra. Trocando em miúdos, eles diziam que isso era coisa de gente que não tem mais nada o que fazer. Foi daí que resolvi dar uma pesquisada sobre qual seria na história da humanidade o sentido e a razão das marchas ou caminhadas.  

Nas lutas mais generosas da humanidade sempre houve caminhadas massivas e longas. É um gesto coletivo já histórico. Por exemplo, a caminhada de Moisés. Segundo a história, teria demorado 40 anos. Moisés morreu antes de chegar à terra prometida. Mas ele liderou o povo hebreu. Tanto na fuga da escravidão quanto no retorno às terras da Palestina. E fez isso caminhando. Está escrito; na Bíblia.

Em 1917, o cenário russo era desolador. Centenas de milhares de soldados mortos na guerra. Filas imensas se formavam nas ruas das cidades pra comprar o pão. A insatisfação era geral. Até que uma passeata ou marcha ou caminhada, como quiserem, de operárias de São Petersburgo juntou mais de dois milhões de pessoas. Chegou a repressão. Mas os soldados recusaram-se a atirar. Eles juntaram-se à multidão. E isso levou o Tzar (o imperador russo) a renunciar.

Aqui no Brasil,  a Coluna Prestes percorreu cerca de 25 mil quilômetros pelo interior do Brasil. Foram 2 anos e meio de peregrinação. Em sua marcha pelos cafundós do país, os tenentes denunciavam a miséria da população e constataram de perto a exploração das camadas populares e firmaram a convicção de que era preciso mudar aquela situação. E assim foi gestada a revolução de 30: numa - ou em várias marchas.

Tem a caminhada de Ghandi, rumo ao mar para salvar o sal dos hindus. Em certa época os ingleses monopolizaram o comércio do sal. Ghandi então convocou o povo para fazer uma caminhada rumo ao mar, para simbolizar que o sal era de todo povo hindu. Foi vitorioso. Milhares de pessoas participaram da caminhada.

Há caminhadas em todos os períodos da história. O povo judeu também caminhou muito durante a Segunda Guerra Mundial, nas migrações que fez para fugir do nazismo. A luta de resistência dos povos indígenas, nos Estados Unidos, é também uma espécie de caminhada.

O povo guatemalteco tem marchas famosas. A revolução mexicana foi feita praticamente a pé. Pancho Villa no sul e Emiliano Zapata no norte ocuparam todo o território caminhando e lutando com seu exército camponês. Foram vitoriosos ao realizarem uma reforma agrária na marra, distribuindo as terras para quem nelas trabalhasse. Mas, atenção!, a reforma agrária mexicana deixou uma lição: não basta distribuir as terras; é preciso oferecer condições para manter os camponeses nela.

A marcha (caminhada) está presente em todas as matrizes e todos os matizes ideológicos e em todas as épocas. Sempre foi assim e sempre será. Mas talvez seja mesmo muito difícil de entender. E na sua ignorância algumas (muitas) pessoas acabem achando que a marcha dos Sem Terra é coisa de quem não tem nada o que fazer. Ah, tenha a santa paciência! Coisa de quem não tem nada o que fazer pra mim é outra coisa... 

Mas voltando ao Pedro Munhoz, mais que um caminhador o Pedro é um cantador. E, cá entre nós, já cantou em muito funeral de lavrador. Isto sim é difícil de entender: que nesta imensa nação ainda seja matar ou morrer por um pedaço de chão.