quarta-feira, 2 de novembro de 2011



 CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

O Anjo Torto


Itabira, MG
31 de outubro de 1902
-
Rio de Janeiro, RJ
17 de agosto de 1987


Drummond semeou influências por toda parte. Um exemplo disso é mostrado pelo antológico "Poema de Sete Faces", que é o primeiro texto do primeiro livro do poeta, de 1930.

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

O poema tem gerado filhos e netos de Drummond em diferentes gerações, na poesia e na música popular.

O anjo torto é uma idéia-força. E faz germinar coisas geniais. Não dá para resistir, por exemplo, ao "mandamento" do anjo hippie do tropicalista Torquato Neto (1944-1972):

vai bicho desafinar
o coro dos contentes

Na visão de Chico Buarque, o anjo virou um querubim chato e safado que decretou que ele desde que nasceu estava predestinado a ser errado assim.


ATE O FIM

Quando nasci veio um anjo safado
O chato dum querubim
E decretou que eu tava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim

Inda garoto deixei de ir à escola
Cassaram meu boletim
Não sou ladrão, eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Um bom futuro é o que jamais me esperou
Mas vou até o fim

Eu bem que tenho ensaiado um progresso
Virei cantor de festim
Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso
Em Quixeramobim
Não sei como o maracatu começou
Mas vou até o fim

Por conta de umas questões paralelas
Quebraram meu bandolim
Não querem mais ouvir as minhas mazelas
E a minha voz chinfrim
Criei barriga, minha mula empacou
Mas vou até o fim

Não tem cigarro, acabou minha renda
Deu praga no meu capim
Minha mulher fugiu com o dono da venda
O que será de mim?
Eu já nem lembro pr'onde mesmo que vou
Mas vou até o fim

Como já disse, era um anjo safado
O chato dum querubim
Que decretou que eu tava predestinado
A ser todo ruim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim

                            Do LP Chico Buarque
                                    - Polygram, 1978

 ATE O FIM