terça-feira, 1 de novembro de 2011



 CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


Itabira, Minas Gerais
31 de outubro de 1902
-
Rio de Janeiro
17 de agosto de 1987


O FAZENDEIRO DO AR

O Fazendeiro do ar apresenta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), mais carioca que itabirano, falando das raízes mineiras (da fixação sentimental pelas origens), admirando a vista da Pedra do Arpoador e brincando de se esconder entre as pilastras do Ministério da Educação – do qual foi chefe de gabinete do ministro Gustavo Capanema, na ditadura Vargas. O poeta aparece como prosaico passageiro do coletivo que o conduzia de sua casa, no Posto 6, ao centro da cidade para trabalhar como funcionário público. 

O FAZENDEIRO DO AR


Carlos Drummond de Andrade
em documentário de Fernando Sabino e David Neves.
1972.


Não é novidade para ninguém a influência de Drummond na obra de Chico Buarque. Os exemplos são muitos. Entre eles, 'Levantados do Chão', canção de Chico Buarque, tematizando os ''sem-terra'', constante do CD que acompanha o livro de fotografias de Sebastião Salgado, 'Terra', lançado pela Companhia das Letras no dia 17 de abril de 1997, às vésperas do aniversário do massacre em Eldorado dos Carajás.

A imagem plantada pela canção é rica e condensada: não só porque diz da ausência de apoio, mas porque, num outro plano, alude à falta de ''fundamento ético'' para a situação, configurando um mundo ''de pernas pro ar'', mundo às avessas, dolorosamente anômalo, aético, injusto.

E é sobretudo aí que 'Levantados do Chão' dialoga com a poesia de Drummond:

Como assim? Levitante colono?
Pasto aéreo? Celeste curral?
Um rebanho nas nuvens? Mas como?
Boi alado? Alazão sideral?

Importa observar que esse topos do ar substituindo a terra, quando se trata de propriedades rurais, tem uma tradição na literatura brasileira que remonta a Carlos Drummond de Andrade. Indagado sobre de onde vem o título ''Fazendeiro do ar'' de um de seus livros, eis a resposta que o poeta dá:

'Os meus antepassados, inclusive meu bisavô, meu avô e meu pai, foram todos fazendeiros em Minas: quando chegou a minha vez, a fazenda havia acabado. Assim, sem terra, considero-me fazendeiro do ar... daí o título.' 


LEVANTADOS DO CHAO

Por Chico Buarque

Para o livro Terra

Como então? Desgarrados da terra?
Como assim? Levantados do chão?
Como embaixo dos pés uma terra
Como água escorrendo da mão?

Como em sonho correr numa estrada?
Deslizando no mesmo lugar?
Como em sonho perder a passada
E no oco da Terra tombar?

Como então? Desgarrados da terra?
Como assim? Levantados do chão?
Ou na planta dos pés uma terra
Como água na palma da mão?

Habitar uma lama sem fundo?
Como em cama de pó se deitar?
Num balanço de rede sem rede
Ver o mundo de pernas pro ar?

Como assim? Levitante colono?
Pasto aéreo? Celeste curral?
Um rebanho nas nuvens? Mas como?
Boi alado? Alazão sideral?

Que esquisita lavoura! Mas como?
Um arado no espaço? Será?
Choverá que laranja? Que pomo?
Gomo? Sumo? Granizo? Maná?

                     Milton Nascimento / Chico Buarque
                                                              Do CD Terra
                                                                           1997

LEVANTADOS DO CHAO