sexta-feira, 23 de setembro de 2011



 A POESIA NAO TERA CANTADO EM VAO


Por Pablo Neruda
Parral, 12 de Julho de 1904
Santiago, 23 de Setembro de 1973


Fragmento do discurso
por ocasião da entrega
do Prêmio Nobel de Literatura,
1971

(...)

Senhoras e Senhores:

Não aprendi nos livros nenhuma receita para a composição de um poema; e também não deixarei impresso nem sequer um conselho, modo ou estilo para que os novos poetas recebam de mim alguma gota de suposta sabedoria.

O poeta não é um pequeno deus. Não, não é um pequeno deus. Não está marcado por um destino cabalístico superior ao daqueles que exercem outros misteres é ofícios. Tenho expres­sado freqüentemente que o melhor poeta é o homem que nos entrega o pão de cada dia: o padeiro mais próximo, que não pen­sa que é deus.

Quanto a nós em particular, escritores da vasta extensão americana, escutamos sem trégua a chamada para encher esse espaço enorme com seres de carne e osso. Necessitamos colmar de palavras os confins de um conti­nente mudo, e nos embriaga esta tarefa de fabular e de nomear.

Nossas estrelas primordiais são a luta e a esperança. Mas não há luta nem esperança solitárias. Em todo homem se jun­tam as épocas remotas, a inércia, os erros, as paixões, as urgên­cias do nosso tempo, a velocidade da História.

Há exatamente cem anos, um pobre e esplêndido poeta, o mais atroz dos desesperados, escreveu esta profecia: “À l’aurore, armes d’une ardente patiente, nous entrerons aux splendides Villes” (Ao amanhecer, armados de uma ardente paciência, entraremos nas esplêndidas cidades).

Acredito nesta profecia de Rimbaud, o vidente.

Venho de uma obscura província, de um país separado de todos os outros pela sua talhante geografia. Fui o mais abandonado dos poetas e minha poesia foi regional, dolorosa e chuvosa. Mas sempre ti­ve confiança no homem. Jamais perdi a esperança. Por isso talvez tenha chegado até aqui com a minha poesia, e também com a minha bandeira.

Em conclusão, devo dizer aos homens de boa vontade, aos trabalhadores, aos poetas, que todo o futuro foi expressado nes­sa frase de Rimbaud: só com uma ardente paciência conquista­remos a esplêndida cidade que dará luz, justiça e dignidade a todos os homens.

Assim a poesia não terá cantado em vão.
1971, Pablo Neruda