Por Pablo Neruda
Parral, 12 de Julho de 1904
Santiago, 23 de Setembro de 1973
Fragmento do discurso
por ocasião da entrega
do Prêmio Nobel de Literatura,
1971
(...)
Senhoras e Senhores:
Não aprendi nos livros nenhuma receita para a composição de um poema; e também não deixarei impresso nem sequer um conselho, modo ou estilo para que os novos poetas recebam de mim alguma gota de suposta sabedoria.
O poeta não é um pequeno deus. Não, não é um pequeno deus. Não está marcado por um destino cabalístico superior ao daqueles que exercem outros misteres é ofícios. Tenho expressado freqüentemente que o melhor poeta é o homem que nos entrega o pão de cada dia: o padeiro mais próximo, que não pensa que é deus.
Quanto a nós em particular, escritores da vasta extensão americana, escutamos sem trégua a chamada para encher esse espaço enorme com seres de carne e osso. Necessitamos colmar de palavras os confins de um continente mudo, e nos embriaga esta tarefa de fabular e de nomear.
Nossas estrelas primordiais são a luta e a esperança. Mas não há luta nem esperança solitárias. Em todo homem se juntam as épocas remotas, a inércia, os erros, as paixões, as urgências do nosso tempo, a velocidade da História.
Há exatamente cem anos, um pobre e esplêndido poeta, o mais atroz dos desesperados, escreveu esta profecia: “À l’aurore, armes d’une ardente patiente, nous entrerons aux splendides Villes” (Ao amanhecer, armados de uma ardente paciência, entraremos nas esplêndidas cidades).
Acredito nesta profecia de Rimbaud, o vidente.
Venho de uma obscura província, de um país separado de todos os outros pela sua talhante geografia. Fui o mais abandonado dos poetas e minha poesia foi regional, dolorosa e chuvosa. Mas sempre tive confiança no homem. Jamais perdi a esperança. Por isso talvez tenha chegado até aqui com a minha poesia, e também com a minha bandeira.
Em conclusão, devo dizer aos homens de boa vontade, aos trabalhadores, aos poetas, que todo o futuro foi expressado nessa frase de Rimbaud: só com uma ardente paciência conquistaremos a esplêndida cidade que dará luz, justiça e dignidade a todos os homens.
Assim a poesia não terá cantado em vão.
1971, Pablo Neruda