sábado, 3 de setembro de 2011

OPERÁRIOS, TARSILA DO AMARAL, 1933




TAIGUARA


Voz do Leste


Sou Voz Operária do Tatuapé
Canto enquanto enfrento o batente co'a mão
Trabalho no ritmo desse Chamamé
Meu pouco Salário faz minha ilusão

Sou voz operária do Tatuapé
Vivo como posso a me deixa o patrão
E enquanto respira dessa chaminé
Meu povo se vira e não vê solução

No teatro da vergonha
aonde a vedade não se diz
Tem quem representa a massa,
quem ri da desgraça
E quem banca o infeliz

Tem até burguês que sonha
que entra em cena e engana a atriz
Tem quem sustenta a trapaça
e depois que fracassa
amordaça o país

Tem quem sustenta a trapaça
e. depois que fracassa,
Amordaça o país.

Já meu drama é o da cegonha...
quase morre o meu guri...
Sopra pr'o Leste a fumaça
e a peste ameaça
O ar do Piqueri

Pior que a matança medonha
é o desemprego pra engolir...
Seja no peito ou na raça,
esse teatro devasso
Alguém tem que proibir...

Seja no palco ou na praça
Essas peças sem graça
vão ter que sair.
(sair de cartaz...)

Sou voz operária...

Taiguara, 1983

















ZÉ GERALDO


Cidadão


Tá vendo aquele edifício moço?
Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição
Eram quatro condução
Duas pra ir, duas pra voltar
Hoje depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
Mas me chega um cidadão
E me diz desconfiado, tu tá aí admirado
Ou tá querendo roubar?
Meu domingo tá perdido
Vou pra casa entristecido
Dá vontade de beber
E pra aumentar o meu tédio
Eu nem posso olhar pro prédio
Que eu ajudei a fazer

Tá vendo aquele colégio moço?
Eu também trabalhei lá
Lá eu quase me arrebento
Pus a massa fiz cimento
Ajudei a rebocar
Minha filha inocente
Vem pra mim toda contente
Pai vou me matricular
Mas me diz um cidadão
Criança de pé no chão
Aqui não pode estudar
Esta dor doeu mais forte
Por que que eu deixei o norte
Eu me pus a me dizer
Lá a seca castigava mas o pouco que eu plantava
Tinha direito a comer

Tá vendo aquela igreja moço?
Onde o padre diz amém
Pus o sino e o badalo
Enchi minha mão de calo
Lá eu trabalhei também
Lá sim valeu a pena
Tem quermesse, tem novena
E o padre me deixa entrar
Foi lá que cristo me disse
Rapaz deixe de tolice
Não se deixe amedrontar

Fui eu quem criou a terra
Enchi o rio fiz a serra
Não deixei nada faltar
Hoje o homem criou asas
E na maioria das casas
Eu também não posso entrar

Zé Geraldo, 1979