segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O fantasma (e a ira) de Tom Joad


Por Enilton Grill
Sobre texto de Adriana Maximiliano






Lançado em março de 1939, o romance do escritor americano John Steinbeck (1902-1968) conta a saga da família Joad, que falida e expulsa da fazenda que arrendava, rumou para a Califórnia em busca de trabalho.

O retrato fiel da crise no campo após a grande Depressão rendeu prêmios a John Steinbeck e tornou-se um clássico. Mas a polêmica criada pela obra foi proporcional a seu sucesso.

Filho de um tesoureiro e de uma professora, Steinbeck botou holofotes sobre a gravidade da situação dos trabalhadores do campo, que vinham sofrendo com a Grande Depressão desde 1929.

As Vinhas da Ira foi considerado chulo, obsceno e exagerado. Para alguns críticos o autor mereceu um dos maiores palavrões de então:comunista.

"Steinbeck foi considerado o mais perigoso radical da costa oeste americana. Quando o livro foi lançado, o FBI decidiu investigá-lo", diz o professor de Literatura Americana da Universidade de Ohio, Robert J. DeMott, editor do diário deixado pelo escritor sobre a elaboração do romance.

"As Vinhas da ira é um romance profético. Sua história se passa na Grande Depressão, mas serve como um espelho da crise que vivemos agora", afirma DeMott.

Apesar de ser uma história de ficção escrita em 100 dias, o livro é um retrato fiel de um período devastador para muitos americanos. Quatro milhões de pessoas estavam desempregadas nos Estados Unidos em 1939, quando As Vinhas da Ira chegou às livrarias.

O pesquisador Heb Behrens, arquivista do National Steibeck Center, em Salinas, explica que o trabalho de pesquisa do autor começou três anos antes que a obra fosse publicada.

"Em 1936, Steinbeck lançou Batalha Incerta, livro sobre uma greve provocada pelo Partido Comunista. Durante a pesquisa, ele entrevistou comunistas, trabalhadores e fazendeiros. Depois da publicação, o jornal San Francisco News procurou Steinbeck para fazer sete reportagens sobre os trabalhadores que migravam para a Califórnia. E ali surgiu a inspiração para Vinhas." 


MIGRAÇAO EM MASSA

Por causa da série para o jornal, Steinbeck viu de perto a situação dos cerca de 300 mil migrantes americanos que rumaram para a Califórnia atrás de emprego e dignidade.

Por dois anos ele acompanhou de acampamento em acampamento um grupo que saiu de Oklahoma. O curioso é que, antes de Vinhas o autor escreveu outro livro sobre o assunto, The Oklahomans, que foi para o lixo antes do prelo.

"Steinbeck não gostou do resultado e destruiu os manuscritos antes de mostrar aos editores. Mais tarde, ele botou no paple num fôlego só as 200 mil palavras de Vinhas", lembra o historiador Mike Meyer, autor de uma enciclopédia sobre o escritor.

Em Vinhas da Ira, Steinbeck foca a história na saga da família Joad, que arrendava uma fazenda de algodão em Oklahoma, mas tinha de dividir os lucros da colheita com o verdadeiro dono das terras, o banco.

As tempestades de poeira, conhecidas como Dust Bowl tornaram aquela sociedade impraticável. Por causa da alta demanda os agricultores plantavam antes que o solo fosse tratado adequadamente, provocando ressecamento.

As tempestades que decorreram desse processo aconteceram várias vezes durante a década de 30 em diferentes partes dos Estados Unidos.

Com as plantações arrasadas e destruídas, os bancos expulsavam os arrendatários e botavam um só homem e um trator para cuidar de diversas fazendas ao mesmo tempo.


A SAGA DOS JOAD

As agruras da família Joad começam com o despejo.

Num dos trechos mais marcantes de As Vinhas da Ira, John Steinbeck descreve a cena de uma tartaruga atravessando uma estrada, uma metáfora para a luta diária dos trabalhadores. Mas a narrativa em si nada tem de vagarosa.

O protagonista Tom Joad retorna à casa em liberdade condicional. Ficou quatro anos preso por ter matado um homem numa briga.

A família havia sido expulsa das terras que arrendava, assim como a maioria dos agricultores endividados de Oklahoma.

Os Joad vendem o pouco que têm para comprar uma caminhonete velha e seguir para a Califórnia, atraídos por anúncios de oferta de emprego nos campos de frutas.

Tudo o que coube na caminhonete foi levado, o resto vendido.

Doze pessoas constituem a família Joad, que se aventura nessa viagem em busca de trabalho e de uma vida mais digna.

A morte do avô na primeira parada é o prenúncio de que muitas desgraças virão.

Logo eles descobrem que há pouco trabalho para muita gente (amontoada em acampamentos improvisados) e os salários são irrisórios.


Em As Vinhas da Ira, obra-prima de Steinbeck, o autor critica o absurdo do sistema moderno, que valoriza lucros acima de pessoas, dando exemplos de montanhas de comida sendo destruídas por fazendeiros, porque não seria economicamente viável transportá-las para as cidades, enquanto milhares de pessoas passam fome ao redor e são mantidas afastadas, sob ameaças de armas, para evitar que levem os produtos dispensados pelos fazendeiros.

Profundamente tocado pela miséria humana e irado com o sistema, Tom Joad larga sua família e jura começar uma luta pelos direitos dos trabalhadores imigrantes. “Onde quer que o povo esteja "– este é o novo lar de Tom Joad. E seu fantasma perambula na voz de Bruce Springsteen.


O fantasma de Tom Joad

Homens caminham ao longo dos trilhos de ferro
Vão para algum lugar sem volta
Helicópteros da polícia surgem acima da encosta
Sopa quente num acampamento debaixo da ponte

A fila de desamparados dobra a esquina
Bem-vindos à nova ordem mundial
Famílias dormem nos seus carros no sudoeste
Sem casa, sem trabalho, sem paz, sem descanso

A estrada está viva esta noite
Mas ninguém se engana
Sobre onde ela vai dar
E eu estou aqui
Sentado à luz da fogueira do acampamento
À procura do fantasma de Tom Joad

Ele puxa um livro de orações do seu saco de dormir
O pastor acende um toco de cigarro
E dá uma tragada
À espera de quando
Os últimos serão primeiros
E os primeiros serão os últimos

Em uma caixa de papelão
Embaixo do túnel
Tem um bilhete de ida
Para a terra prometida
Um buraco em sua barriga
E uma arma em sua mão
Dormindo sobre um travesseiro de pedra
Tomando banho no aqueduto da cidade

A estrada está viva esta noite
Aonde ela leva todos sabem
Estou aqui sentado à luz da fogueira
À espera do fantasma de Tom Joad

Tom disse:
"Mãe, onde quer que haja um policial
Batendo em alguém
Onde quer que chore
Um recém-nascido com fome
Onde quer que tenha
Uma luta contra o sangue e ódio
Que há no ar
Procure por mim, mãe,
Eu estarei lá
Onde quer que haja alguém
Lutando por um lugar para viver
Ou por um trabalho decente
Ou uma mão que o ajude
Onde quer que haja alguém
Lutando para ser livre
Olhe nos seus olhos, mãe,
E verás a mim.

A estrada está viva esta noite
Mas ninguém se engana
Sobre onde ela vai dar
E eu estou aqui
Sentado à luz da fogueira do acampamento
À procura do fantasma de Tom Joad

Bruce Springsteen
The Ghost of Tom Joad, 1995


THE GHOST OF TOM JOAD