quarta-feira, 7 de setembro de 2011



 QUAL A CARA DA CARA DO BRASIL?


Por Enilton Grill


Há um Brasil. Há muitos Brasis. Há dois Brasis e estão separados por um abismo. Há um Brasil tecnologicamente avançado e há um Brasil onde ressoam ainda cantos e folias. Há dois brasis. Um miserável e outro rico. Há um Brasil formado por um encontro de culturas e há um Brasil que reflete as consequências culturais do colonialismo. Há um Brasil que se lembra do mundo e outro Brasil que esquece de si mesmo. E se há mais de um Brasil é de se perguntar: Qual a cara da cara do Brasil?

A CARA DO BRASIL

Eu estava esparramado na rede
jeca urbanóide de papo pro ar
me bateu a pergunta, meio à esmo:
na verdade, o Brasil o que será?

O Brasil é o homem que tem sede
ou quem vive da seca do sertão?
Ou será que o Brasil dos dois é o mesmo
o que vai é o que vem na contra-mão?

O Brasil é um caboclo sem dinheiro
procurando o doutor nalgum lugar?
Ou será o professor Darcy Ribeiro
que fugiu do hospital pra se tratar?

A gente é torto igual Garrincha e Aleijadinho
ninguém precisa consertar
se não der certo a gente se virar sozinho
decerto então nunca vai dar

O Brasil é o que tem talher de prata
ou aquele que só come com a mão?
Ou será que o Brasil é o que não come
o Brasil gordo na contradição?

O Brasil que bate tambor de lata
ou que bate carteira na estação?
O Brasil é o lixo que consome
ou tem nele o maná da criação?

Brasil Mauro Silva, Dunga e Zinho
que é o Brasil zero a zero e campeão
ou o Brasil que parou pelo caminho:
Zico, Sócrates, Júnior e Falcão

O Brasil é uma foto do Betinho
ou um vídeo da Favela Naval?
São os Trens da Alegria de Brasília
ou os trens de subúrbio da Central?

Brasil-globo de Roberto Marinho?
Brasil-bairro: Carlinhos-Candeal?
Quem vê, do Vidigal, o mar e as ilhas
ou quem das ilhas vê o Vidigal?

O Brasil encharcado, palafita?
Seco açude sangrado, chapadão?
Ou será que é uma Avenida Paulista?
Qual a cara da cara da nação?

                                  Celso Viáfora
                                                 1998

CARA DO BRASIL
Gravado e Mixado nos Estúdios da RGE
Novembro de 1998 a Janeiro de 1999
Masterizado no Estúdio Tom Brasil


 


ELES


Por Enilton Grill


A história não é sequência tediosa de datas vazias e nomes solenes. A história é drama é fluxo é sangue. A história é múltipla: abrange ricos e pobres, patrões e empregados, a selva e as cidades, o sertão e o mar, os bancos e as prisões. A história é épica: refulge nas batalhas e nas galés, nos plenários e nas veredas, nos quartéis e nos cadafalsos. A história frequentemente é trágica. A história do Brasil é uma peça monumental. Escrita por todos nós e mal-contada por eles. Eles, os que se dizem além do bem e do mal.

ELES

Em volta da mesa
Longe do quintal
A vida começa
No ponto final
Eles têm certeza
Do bem e do mal
Falam com franqueza do bem e do mal
Crêem na existência do bem e do mal
O porão da América
O bem e o mal
Só dizem o que dizem
O bem e o mal
Alegres ou tristes
São todos felizes durante o Natal
O bem e o mal
Têm medo da maçã
A sombra do arvoredo
O dia de amanhã
Eis que eles sabem o dia de amanhã
Eles sempre falam num dia de amanhã
Eles têm cuidado com o dia de amanhã
Eles cantam os hinos no dia de amanhã
Eles tomam bonde no dia de amanhã
Eles amam os filhos no dia de amanhã
Tomam táxi no dia de amanhã
É que eles têm medo do dia de amanhã
Eles aconselham o dia de amanhã
Eles desde já querem ter guardado
Todo o seu passado no dia de amanhã
Não preferem São Paulo, nem o Rio de Janeiro
Apenas tem medo de morrer sem dinheiro
Eles choram sábados pelo ano inteiro
E há só um galo em cada galinheiro
E mais vale aquele que acorda cedo
E farinha pouca, meu pirão primeiro
E na mesma boca senti o mesmo beijo
E não há amor como o primeiro amor
Como primeiro amor
Que é puro e verdadeiro
E não há segredo
E a vida é assim mesmo
E pior a emenda do que o soneto
Está sempre à esquerda a porta do banheiro
E certa gente se conhece no cheiro
Em volta da mesa
Longe da maçã
Durante o natal
Eles guardam dinheiro
O bem e o mal

             Caetano Veloso
                                1967

ELES
originalmente gravado em 4 canais
lançado em Long Play (LP)
1967