Por Eduardo Galeano
Roque Dalton, aluno de Miguel Mármol no ofício muito salvadorenho de ressuscitar, se salvou duas vezes de morrer fuzilado. Uma vez se salvou porque caiu o governo e outra vez se salvou porque caiu a parede, graças a um oportuno terremoto que permitiu que fugisse.
Também se salvou dos torturadores, que o deixaram destroçado mas vivo, e dos policiais que o cobriram de balaços.
E se salvou dos antipáticos do futebol que o botavam pra correr a pauladas, e se salvou das fúrias de uma porca parida e de numerosos maridos sedentos de vingança.
Poeta profundo e brincalhão, preferia arriscar a pele a se levar a sério, e assim se salvou da solenidade, da grandiloquência e de outras enfermidades que gravemente acometem a poesia política latinoamericana.
Não pode se salvar de seus companheiros. Com pena de morte castigaram sua discrepância, por ser a discrepância delito de alta traição.
Dalton não se salvou da bala que veio do seu lado.
Da trilogia
Memórias Do Fogo
O Século do Vento
Memórias Do Fogo
O Século do Vento
Eduardo Galeano