segunda-feira, 31 de março de 2014


NUNCA MAIS


POR CLÁUDIO BRITO*



Foi um golpe, jamais duvidei. Vi de perto. Vivi experiências que me asseguram não querer reprises. Lá em casa, na Riachuelo, quase ao lado do Colégio Nossa Senhora das Dores e em frente à sede do PTB de então, testemunhei as noites em que escondemos o Bigorrilho, apelido pelo qual meu pai se referia, com carinho, a Marco Aurélio Garcia, hoje alto assessor da Presidência da República.

Eu tinha 15 anos de idade e ele 22. Admirava sua inteligência, que era exemplo de entrega ao saber, tanto que o acompanhei e torci por ele quando foi vencedor por várias semanas do programa de rádio O Céu é o Limite, em que sabichões enfrentavam perguntas difíceis sobre temas que abraçavam com intensidade. Marco Aurélio respondia sobre a Revolução Francesa, Napoleão e outras páginas bonitas. Nossos pais eram muito amigos. Daí a guarida, que se estendeu à viagem para cruzar a fronteira em Livramento a caminho do exílio.

Rui Falcão, hoje presidente nacional do PT, é outro que me inspira a não querer que se repitam aqueles tempos difíceis em que nos perguntávamos onde estariam alguns amigos sumidos inexplicavelmente. Fomos colegas no velho Notícias Populares, em São Paulo.

Numa tarde, pelo telefone alguém avisou que aconteceria sua prisão. Rui deixou a redação, abandonou as chaves de seu Fusca ali mesmo e só foi reaparecer aqui em Porto Alegre, seguindo os mesmos passos de outro companheiro de jornal, o Frei Betto, que trabalhava na Folha da Tarde paulistana, no prédio das Folhas, na alameda Barão de Limeira, onde ficou estacionado, por meses, o carro do Rui.

Agentes da Oban, a terrível Operação Bandeirantes, cercavam o automóvel e a “campana” era diária. Cairia a casa de quem tentasse retirá-lo dali. Assisti também à prisão do Carlos Fon, barbaramente torturado nos cantões do prédio da Rua Tutoia, onde funcionava o DOI-Codi.

De volta à TV Gaúcha, recebi mensagem da Censura Federal proibindo qualquer notícia sobre uma bomba que explodira em uma agência bancária no centro da cidade. Curioso é que a bomba estourou duas ou três horas depois da proibição. Disseram que foi atentado de subversivos esquerdistas. Vai ver que esses terroristas tinham alguma dificuldade com o relógio ou entre a Rua Sete de Setembro e o Morro Santa Tereza havia dois ou três fusos horários.

Escreveria um jornal inteiro com histórias idênticas, sentindo a tristeza e as dores que todas elas causaram. Cinquenta anos depois, ainda me impressiona o desespero do advogado Dirceu e sua mulher, Sônia, pais do Marco Aurélio, quando foram lá em casa e contaram que o filho estava recolhido ao destacamento da Brigada Militar na Aberta dos Morros e seria torturado.

Não fiquei sabendo como o tiraram de lá e o levaram para esconder-se no apartamento em que vivíamos, no Edifício Atlas, na Riachuelo, 730. Esquecer? Jamais, para que não aconteça outra vez.

*Jornalista