segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014


GERALDO VANDRÉ:
"Estou exilado até hoje. 
Ainda não voltei."




POR ENILTON GRILL


2013, 16 DE FEVEREIRO


"(...) Às vezes penso que cantando mereço um pouco de vida. 
Saldo em parte os meus compromissos e tenho então, 
cada vez mais forte, a sensação da liberdade. 
Por isso aprendo a cantar e canto."
GERALDO VANDRÉ, 1968
DA CONTRACAPA DO LP CANTO GERAL


Ele foi mandado embora e tratado, por alguns, como escória. Perdeu o trem da história e andou a esmo. Cantou pelo mundo, mas o mundo não era onde ele queria cantar. Tentou uma, duas e outra vez mais. Mas não deu. Entristeceu e não voltou mais. Vive, ainda, exilado num país por ele inventado. Não sei se está cansado, mas, mesmo quando fala, permanece calado. Talvez tenha sido torturado e ainda esteja condicionado. Não sei, ninguém sabe e acho que jamais se saberá se está arrependido, doente, deprimido, desiludido, constrangido, ainda revoltado ou já tresloucado. Nas raras vezes em que aparece se mostra reticente, às vezes irônico e outras irritado. Talvez esteja injuriado ou se fazendo de rogado. Não perde a chance de mostrar que está sendo importunado. Sempre sagaz, parece dizer: - Cuidem da vidinha medíocre de vocês e me esqueçam. Deixem-me em paz!

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE FLORES

1968. Rio de Janeiro. Maracanãzinho. Festival Internacional da Canção. Quem viu a apresentação de Geraldo Vandré, viu e não esquecerá jamais. Quem não viu não verá mais. O vídeo foi extraviado. Talvez esteja muito bem escondido. Ou corroído. Acho que foi destruído. Claro que ele foi esmagado, pisoteado, baleado, metralhado. Retorcido e queimado vivo. Mas jamais esquecido. Digo isso tomado de emoção: Com a certeza na frente e as flores no chão. 

PEQUENA HISTÓRIA

Eu não vi. Mas ouvi. Uma , duas, três...e vou ouvir mil vezes mais. Mas foi a primeira vez que ouvi a que não esqueci e não vou esquecer jamais. Foi na casa de meus pais. Estávamos em 1976. Eu tinha 11 anos. Meu tio enviou de São paulo uma fita-cassete para o meu pai. No lado A, músicas do Chico (Buarque). No lado B, estava escrito na primeira linha: Geraldo Vandré (Caminhando) e, na segunda, com letras maiúsculas e garrafais: CUIDADO CENSURADO. Eu era uma criança. E, claro, me senti atraído pelo proibido. Os anos passaram. E eu, seja lá o que for, sou um curioso pelas coisas culturais. Talvez, quem sabe, eu seja um pouco mais. Acho o Chico genial e sou seu admirador in-con-di-ci-o-nal. E, como tal, sei sobre ele e a obra dele tudo o que quero saber.

NADA DE MEMÓRIA

Sei, por exemplo, que Sabiá, que na época era tida como uma canção quase alienada, foi justamente premiada e injustamente vaiada. Sabiá literalmente antecipou os fatos. Metaforicamente antecipou que a solidão acabaria e a solidão acabou. Que outro dia chegaria e um novo dia chegou. Sabiá é uma canção para além de seu tempo. É premonitória. É uma nova canção do exílio. É uma linda canção na história. Mais uma obra-prima buarquiana. E jobiniana também. Essa é a minha opinião e é tudo que eu sei. Mas Sabiá deve ser mais, muito mais. E se eu quiser saber mais, e o Chico quiser me explicar, tenho onde e a quem procurar. É que o Chico, antes mesmo de partir, cantou Vou voltar... e voltou. Em contrapartida, sei nada ou quase nada sobre Geraldo Vandré. É que o Vandré cantou Caminhando e enfrentou os generais. E quando se quer saber mais não se tem onde mais, os arquivos perderam a memória e aquele Vandré não existe mais. Ele foi e não voltou mais. 
Enilton Grill