domingo, 19 de maio de 2013



pois é...


_por enilton grill


outro dia, lendo a coluna de paulo santana, deparei com o tema da felicidade - um de seus prediletos. santana contava que certa vez passou por uma sinagoga e entrou. estava lotada de judeus e de curiosos. falava um rabino. e o rabino discorria sobre o sonho do homem, que são três: ser rico, ser forte e ser sábio.

de acordo com o rabino:

1. o homem quer ser forte, mas pensa que ser forte é dominar os outros. engana-se, ser forte é dominar-se a si próprio.

2. o homem quer ser sábio, mas imagina que ser sábio é abeberar-se da cultura dos livros, dos ensinamentos que os sábios nos legaram pela escrita. quando, na verdade, ser sábio é outra coisa: ser sábio é aprender com cada pessoa que se encontra na vida.

3.  o homem quer ser rico, mas não sabe o homem que ser rico não é amealhar toda a riqueza, ganhar e juntar todo o dinheiro que se possa. ser rico, acrescentou o rabino, é contentar-se com o que se tem.

das reflexões e ensinamentos do rabino, paulo santana concluiu: "esta é a sabedoria, este é o jeito de ser feliz: mostrar-se satisfeito com o que se possui. e não querer se tornar feliz desejando aquilo que não se conseguiu ou não se pode conseguir. venham por mim", convidou pablo.

aceitei o convite.

pensando no que disse o rabino,  e  indo por paulo santana, lembrei de facundo cabral.

admirador de diogenes e de são francisco assis, de whitman e de borges, crente e fervoroso anarquista, facundo cabral refletiu, através de suas canções, estórias e opiniões, sobre a vida e a humanidade. sempre com um sentido profundo de liberdade. igualdade e solidariedade. sempre em busca da felicidade.

tal qual um trovador da idade média, o compositor argentino transformava cada um de seus recitais e entrevistas numa oportunidade para narrar histórias e transmitir suas ideias e pensamentos.

pela sinceridade de suas palavras, facundo cabral parecia um discípulo direto de diogenes. aliás, o compositor e escritor argentino costumava citar o filósofo grego em seus recitais: "diógenes cada vez que pasaba por el mercado / se reía porque decía que le causaba mucha gracia / y a la vez le hacía muy feliz / ver cuántas cosas había en el mercado / que él no necesitaba. quer dizer, "rico não é o que mais tem, senão o que menos necessita", concluía facundo cabral.

uma das frases mais célebres de facundo cabral diz: “foge dos que compram o que não necessitam, com dinheiro que não têm, para agradar quem não vale a pena”. e, nela, o misto de poeta, compositor, escritor e profeta, resumiu várias de suas críticas à escravidão do homem em relação à sociedade de consumo.

inumeráveis declarações, sentenças e versos expressam o pensamento filosófico e ajudam a entender melhor o ideário de facundo cabral. por exemplo: no soy de aquí, ni soy de allá / no tengo edad, ni porvenir / y ser feliz es mi color / de identidad. verso este, aliás, que o aproximava mais ainda de diógenes, que, muito antes de facundo, já dizia: "não sou nem ateniense nem grego, mas sim um cidadão do mundo.".

mas, voltando aos dias atuais. "gente infeliz, essa que vive se comparando", lamenta uma mulher no bairro de buceo, em montevidéu. "quando não tens nada, pensas que não vales nada", diz um rapaz no bairro villa fiorito, em buenos aires.

sobre essa sociedade que insiste em reduzir as relações humanas ao jogo sinistro do consumo e da competição, diz facundo cabral: “o conquistador por cuidar sua conquista se converte em escravo do que conquistou." e diz mais “quem não está disposto a perder tudo, não está preparado para ganhar nada”.

essa civilização, que confunde quantidade com qualidade - dize-me quanto consomes e te direi quanto vales - propaga, em quase todos nós, o medo, a desconfiança e a competitividade desenfreada. “dou a cara ao inimigo, as costas ao bom comentário, porque aquele que aceita um afago começa a ser dominado; o homem acaricia o cavalo para montá-lo...”, ensina facundo cabral.

mas suas palavras podiam ser luminosas também: “cada manhã é uma boa notícia, cada criança que nasce é uma boa notícia, cada homem justo é uma boa notícia, cada cantor é uma boa notícia, porque cada cantor é um soldado a menos...”. outra: “fui analfabeto até os 14 anos, por isso quando me dizem ' não posso', eu digo 'não fode'”.

sobre o egoísmo e a ambição, facundo cabral afirmava “por que esconder o que te foi dado para compartilhar?.  mas, quando apelou à esperança e à força de vontade das pessoas, "sempre, com o que se tem, se pode, se deve começar de novo; o dever do homem é ser feliz", foi que facundo cabral se aproximou, mais ainda, das palavras do rabino, relatadas por paulo santana, em sua coluna de jornal.


produtor cultural,
radialista
(idealizador e apresentador
do programa américas)
e autor deste blog