quinta-feira, 2 de maio de 2013



BADEN POWELL:
 UM JIMI HENDRIX DO VIOLÃO


_ POR TÁRIK DE SOUZA


Instrumento amaldiçoado pela Corte, sinônimo de boemia e vagabundagem no começo do século, o violão foi para a bossa nova o que a guitarra desempenhou no rock. E o Jimi Hendrix dessa revolução atendia pelo nome escoteiro de Baden Powell de Aquino. Um Garrincha das cordas que com seus dribles desconcertantes (e a mesma combustão etílica) em gêneros e estilos assombrou o mundo pela combinação de técnica, velocidade, dinâmica e aliciamento emocional. 

Apesar de ter-se projetado nas hostes da bossa nova, em parceria com um de seus principais mentores, o poeta Vinícius de Moraes, Baden nunca foi um bossanovista. Aluno do sapiente Jaime Florence, o Meira (que com o 7 cordas Dino formou o centro de tantos regionais acompanhantes da MPB), 

Baden ultrapassou o professor e criou uma escola própria, onde misturam-se em doses muito equilibradas elementos da tradição seresteira, sambista e chorona da MPB, jazz americano, música erudita e até algo da energia do flamenco num resultado de alta octanagem performática. 

Tanto é assim que ele se tornou uma estrela nas principais salas de espetáculo da Europa (França e Alemanha, principalmente), na contramão de seus colegas de movimento (João Gilberto, Luís Bonfá, Sérgio Mendes, Oscar Castro Neves, Eumir Deodato, Airto Moreira), que preferiram o mercado americano.

Até porque Baden nunca subordinou sua execução à celebre batida de violão engendrada por João Gilberto. Enquanto o movimento eclodia nas faculdades e boates, o violonista iniciava a carreira em dois LPs onde mesclava composições próprias e standards (Apresentando Baden e seu violão, 1959; Um violão na madrugada, 1961) ainda longe de uma identidade conceitual. 

Ela surgiria a partir de seu encontro com Vinícius de Moraes, com quem compôs alguns clássicos, como Apelo, Deixa, O astronauta, Tem dó, Tempo feliz, Só por amor, Samba em prelúdio, além da célebre safra de afro-sambas iniciada com Berimbau (onde ele emula o som do instrumento nas cordas do violão) e Consolação, encerrada na explosão de Canto de Ossanha, sucesso na voz de Elis Regina.

Dessa fornada também é o celebrante Samba da bênção, inventário da linha evolutiva da MPB que Baden levaria adiante numa série memorável de discos lançados pelos selos Elenco, fundado pelo produtor Aloisio de Oliveira (Baden Powell swings with Jimmy Pratt, Baden à vontade, Ao vivo no Teatro Santa Rosa) e Forma, de Roberto Quartin (Tempo feliz, com Mauricio Einhorn, e Os afro-sambas, com Vinícius e o Quarteto em Cy). 

Em todos eles, sobressai a superlativa técnica de solo & acompanhamento que dava a impressão de mais de um músico tocando, numa época em que ainda não se abusava das dobras de estúdio. O violonista junto com o compositor contribuíram para a guinada da bossa na direção de uma MPB mais orgânica, ligada às raízes e depurada ao mesmo tempo. Sua parceria mais sólida a seguir, com o letrista Paulo César Pinheiro, a partir do tema de capoeira Lapinha, que ganhou a Bienal do Samba, em 1968, apenas consolidaria essa trajetória.

Com Pinheiro, Baden incrementou sua caligrafia de sambista movido a violão cuja riqueza de acordes não atravanca o embalo rítmico em temas como Vou deitar e rolar (Qua qua ra qua quá), É de lei, Aviso aos navegantes, Refém da solidão, Falei e disse, Cai dentro, Pra valer e Violão vadio, entre outros. Parceiro no início da carreira de Billy Blanco (Samba triste) e Geraldo Vandré (Se a tristeza chegar), 

Baden também compôs inúmeros temas instrumentais para a profusão de discos que foi gravando (muitas vezes atropelando contratos entre gravadoras) à medida que necessitava de financiar sua trajetória de gênio errante e pouco afeito ao profissionalismo. Ao contrário dos inúmeros coleguinhas que hipervalorizam qualquer apresentação numa biboca do exterior repleta de brasileiros saudosos, Baden Powell nunca tirou partido do monumental sucesso europeu que alcançou com direito a disco de ouro por vendagens na França.

Nas voltas ao Brasil aos poucos foi trocando a influente militância autoral (embora ainda tenha gravado inéditas em seus últimos discos) por um papel de concertista, redesenhando clássicos pincelados de causos da fulgurante carreira narrados pela voz miúda que também arriscou gravações como intérprete. Seu desaparecimento desliga mais um poderoso dínamo da acéfala MPB que um dia conseguiu a façanha de fornecer biscoitos finíssimos para a massa consumidora.