quarta-feira, 3 de abril de 2013



ANGÉLICA


DE CHICO BUARQUE


POR ENILTON GRILL




MANIFESTANTES FAZEM ATO CONTRA A DITADURA MILITAR



JORNAL DO BRASIL


01 DE ABRIL DE 2013


Centenas de pessoas participaram nesta segunda-feira (1) de ato contra o golpe militar de 1964, que ontem completou 49 anos.

A manifestação ocorreu na porta do Cinema Odeon, na Cinelândia, em frente ao Clube Militar, mesmo local onde há exatamente um ano houve confronto entre protestantes e militares da reserva, que comemoravam o início do golpe em um almoço.

Neste ano, porém, o Clube Militar estava com as portas fechadas e com um tapume verde de isolamento.

Durante o ato desta segunda (01), banners com imagens de presos, torturados e mortos da ditadura militar, como Carlos Marighella, Stuart Angel, Luiz Carlos Prestes, Dinalva Conceição Oliveira, entre outros, foram expostos.

A jornalista Hildegard Angel, irmã de Stuart Angel, esteve presente na manifestação e destacou que o momento é de construir uma nova geração de patriotas.

“Agora é um momento onde a verdade começa a ser lembrada. É hora de lembrar quem nós brasileiros somos, às vésperas dos 50 anos do início da ditadura militar. O comprometimento é com o patriotismo, de formar uma nova geração de patriotas que lutam pela verdade de seu país. Até hoje a família Angel não tem o corpo do Stuart para velar, chorar e enterrar. É por isso que hoje venho de luto, de preto, para fazer desse manifesto um velório, nesse espaço mais livre e democrático do Brasil, que é a Cinelândia”, afirmou emocionada Hildegard.



LETRA PARA UMA MÃE LUTADORA


 POR HILDEGARD ANGEL
EDITORA DO CADERNO H E COLUNISTA DO JB


JORNAL DO BRASIL
JUNHO /2004


Foram as meninas do Quarteto em Cy que me mandaram o tape com sua gravação de Angélica, de Chico e Miltinho. Escutei e chorei, e chorei de novo, muitas vezes e muitos dias. Achei bonito demais.

Zuzu Angel, minha mãe, havia morrido num acidente de carro, em 1976.

Angélica é do ano seguinte.

A história do fundo do mar era mesmo verdade. O corpo do meu irmão, Stuart Angel Jones, segundo relatos da época, foi atirado no mar, como era habitual naqueles assassinatos com tortura ocorridos na Base Aérea do Galeão.

Lembro-me de Herivelto Martins, que além de um compositor maravilhoso era pai-de-santo e, uma vez, mandou-me o recado: queria falar comigo sobre meu irmão desaparecido. Fui até a casa dele, na Urca. Ele me recebeu de branco, num quarto escuro, velas. Estava em transe espiritual, e me disse que meu irmão estava no fundo do mar.

Fiquei muito mexida com aquilo. Pois eu tinha esperança de reencontrar Tuti.

Eu ouvia a música de Chico, lembrava-me das palavras de Herivelto, e chorava, chorava. Depois, muitos anos depois, achei uma poesia feita por meu irmão na adolescência, em que ele parafraseava Caymmi, dizendo que devia ser ''doce morrer no mar''

Chico foi um intérprete do sentimento de todos nós, naquela época. Cantava o sofrimento, a crítica, a esperança da forra. Em sua loja de moda, no Leblon, mamãe tocava Chico o tempo todo. ''Quem foi, quem foi/ que falou do boi voador/ manda prender esse boi/ seja esse boi o que for'', ela adorava essa.

Era como se, de alguma forma, aquelas músicas, aquelas palavras, lhe lavassem a alma, lhe dessem um gostinho de vingança.

Chico foi perseguido, censurado e maltratado pela ditadura. Não foi festivo, não fez de sua inspiração corajosa marketing pessoal.

Dou muito valor a esta homenagem prestada por ele e pelo Miltinho, do MPB-4, outro grande da música e do pensamento brasileiro, ao sofrimento da minha mãe - e, por extensão, de todas as outras mães daquela época, que também lutaram para encontrar seus filhos. .
HILDEGARD ANGEL



ZUZU ANGEL


POR CHICO BUARQUE


ENTREVISTA
RÁDIO ATIVIDADE
CENTRO CULTURAL
SÃO PAULO
1985

Eu conheci muito a Zuzu. Ela foi uma mulher que durante anos depois da morte do filho (Stuart Angel Jones, preso político em 1971) não fez outra coisa senão se dedicar a denunciar os assassinos do filho, a reivindicar o direito de saber aonde é que estava o corpo dele. Ela ia de porta em porta mesmo. E lá em casa ela ia com muita freqüência, como em outras casas também. Ela sabia, inclusive, das ameaças que pairavam sobre ela e dizia que tinha certeza que se alguma coisa acontecesse com ela a culpa seria dos mesmos assassinos do filho, que ela citava nominalmente. 

Na manhã do dia em que aconteceu o acidente com ela, ela tinha estado lá em casa e deixado as camisetas que ela fazia, gravadas com aqueles anjinhos que eram a marca dela, para as minhas três filhas. Aquilo me chocou muito. 

Ela passava em casa quase semanalmente, mostrando os relatórios todos do trabalho que ela estava fazendo aqui e nos Estados Unidos - porque afinal, o pai do Stuart era americano -, então ela tinha contato com senadores americanos, inclusive alguns dos quais me lembro até hoje, como o Frank Church, o Mondale, que era um dos senadores com quem ela contava - nunca contou com o Reagan evidentemente... 

Ela tinha, inclusive, na lista dela, uma relação das posições políticas dos senadores e tinha até alguns "ultraconservatives" (ultra conservadores) que, por se tratar de um filho de cidadão americano, eram simpáticos ao clamor de mãe dessa mulher. 

Ela chegou a entregar a documentação ao Kissinger pessoalmente, se não me engano, no Hotel Sheraton, quando ele esteve aqui. Clandestinamente ela furou o bloqueio e, um pouco depois, lhe entregou uma pasta com os documentos todos que ela tinha e distribuía entre as pessoas em quem confiava, gostava. 

Ela morreu um pouco depois disso.
CHICO BUARQUE




ANGÉLICA

Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho
Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar

Quem é essa mulher
Que canta sempre esse lamento
Só queria lembrar o tormento
Que fez o meu filho suspirar

Quem é essa mulher
Que canta sempre o mesmo arranjo
Só queria agasalhar meu anjo
E deixar seu corpo descansar

Quem é essa mulher
Que canta como dobra um sino
Queria cantar por meu menino
Que ele já não pode mais cantar
                                                  MILTINHO / CHICO BUARQUE
                                                                   1977

ANGÉLICA
ALMANAQUE
FAIXA 05
CHICO BUARQUE
1982