domingo, 6 de janeiro de 2013


PALABRAS VERDADERAS


PARA MARIO BENEDETTI
In Memoriam
Paso de los Toros, 14 de setembro de 1920 
Montevidéu, 17 de maio de 2009



POR ENILTON GRILL


MAIO 20, 2009



REVISADO E ATUALIZADO
2013


'Lento, mas vem / o futuro se aproxima / devagar / mas vem', dizia uma poesia de Mario Benedetti..

Hoje, porém, o futuro está mais além. Dia 17 de maio (2009) se foi ‘pa´l gran silencio o poeta que mostrou ao mundo que o sul também existe..

Considerado um dos mais importantes escritores uruguaios de todos os tempos, Mario Benedetti escreveu mais de 80 livros de poesia, romances, contos e ensaios, assim como roteiros para cinema e teatro.

Iniciou carreira literária em 1949 com o livro Esta manhã:  'Tenho uma manhã que é minha e uma manhã que é de todos, a minha acaba amanhã, mas sobrevive a outra.'

O poeta fez da ética ‘uma arma carregada de futuro’. Foi um escritor que cantou a vida como poucos e respeitou sua consciência como ninguém.

Para Mario Benedetti, a poesia era um sótão de almas, uma janela para a utopia. uma drenagem da vida que ensina a não temer à morte.

O poeta morreu em pé como dizia um de seus poemas: “Continuo em pé / por pulsar / por costume / por não abrir a janela decisiva / e olhar de uma vez a insolente / morte / essa mansa / dona da espera. ’

A morte de Benedetti deixa desolada uma multidão de leitores, e, nos amigos, um vazio sem fim. ‘Que será de nós sem sua bondade inexplicável?’, escreveu Eduardo Galeano. Depois se calou. Por que ‘el dolor se dice callando’, disse chorando (por dentro).

Ao saber de sua morte, o espanhol Fran Sevilla disse: ‘Há dias que não deveriam amanhecer.’ E seu amigo, nosso amigo, escritor e tradutor de sua obra, Aldyr Schlee, disse: ‘No, no puede ser’.

A vida de Mario Benedetti foi a de um homem de esquerda, de compromisso com seu tempo e sua gente - um compromisso que custou perseguições e ameaças, exílio, desterro, as dores das separações e das perdas.

Acreditava no sagrado direito de rebelião contra as injustiças, na liberdade das pessoas e na solidariedade humana. Acreditava naquilo que nos dá sentido universal e nos fortalece e nos torna mais poderosos que todas as fronteiras. Sejam elas geográficas, políticas, sociais, raciais...humanas.

Sua obra foi escrita no tempo presente. Mas como se o passado estivesse acontecendo. Porque o passado está vivo, como explica Eduardo Galeano: 'porque o divórcio do passado e do presente é tão ruim como o divórcio da alma e do corpo, da consciência e do ato, da razão e do coração'.

Dia 18, um dia após a morte do poeta, o escritor português José Saramago prestou uma homenagem escrevendo que 'a dor e o desgosto pela sua morte não adormecerão tão cedo. Havia Mario Benedetti e deixou de haver'.

Daniel Viglietti, amigo íntimo e companheiro artístico, afirmou: ‘Nos quedamos sin Mario, pero su pluma nos deja el alma llena de versos sencillos, sencillos en la altura como aquellos del cubano José Martí que él tanto admiraba’.

Sem estridências de nenhum tipo, a prodigiosa pluma do poeta fez da discrição e da humildade rasgos genuínos que o acompanharam até o dia do adeus, para deixar um legado que ultrapassa as fronteiras do literário.

Poeta, romancista, contista, ensaísta e dramaturgo, com dezenas de obras, Benedetti preparava para publicação 'Biografía para encontrarme', um novo livro de poemas. A poesia era, segundo o uruguaio, o gênero em que se sentia mais confortável.

Um de seus poemas dos últimos tempos pede: 'quando me enterrarem/ por favor, não se esqueçam/ da minha caneta’.

Na manhã da terça-feira, dia 19, Mario Benedetti foi enterrado. Milhares de pessoas acompanharam, ao longo de 30 quarteirões, seu derradeiro passeio pela cidade de Montevidéu. Nenhuma delas jamais esquecerá sua caneta, nem as palavras que escreveu.

Sua palavra foi sempre uma arma poderosa contra o devastador império da cobiça, que tem seu centro no norte da América. Com ela, palavra, Mario decretou que o sul também existe: ‘aqui em baixo, abaixo / no sul que também existe / perto das raízes / onde a memória / nenhuma recordação omite / ainda há quem se recuse morrer’.

E estas, como todas as outras que escreveu, são palavras verdadeiras. Nós que aqui estamos que o digamos.