domingo, 5 de agosto de 2012

 

O AMANHÃ E O MILÉNIO


_ POR JOSÉ SARAMAGO


Há dias li um artigo de Nicolas Ridoux, autor de 'Menos é mais'. Introdução à filosofia do decrescimento, e recordei que já há uns bons anos, nas vésperas da entrada do milénio em que já estamos instalados, participei num encontro em Oviedo onde a alguns escritores se solicitava que traçássemos objectivos para o milénio.

A mim pareceu-me que falar do milénio era demasiado ambicioso, por isso propus-me falar apenas do dia seguinte. Recordo que fiz propostas concretas e que uma delas era a agora enunciada por Ridoux no seu 'Menos é mais'.

Procurei no disco duro de computador e decidi-me a recuperar parte do que escrevi então e que hoje me parece ter ainda mais actualidade que nessa altura.

Quanto às visões do futuro, creio que seria preferível que começássemos por preocupar-nos com o dia de amanhã, quando se supõe que ainda estaremos quase todos vivos.

Na verdade, se no remoto ano de 999, em qualquer parte da Europa, os poucos sábios e os muitos teólogos que então existiam se tivessem deitado a adivinhar sobre como seria o mundo daí a mil anos, estou que errariam em tudo.

Contudo, algo penso eu em que mais ou menos acertariam: que não haveria qualquer diferença fundamental entre o confuso ser humano de hoje, que não sabe e não quer perguntar aonde o levam, e a amedrontada gente que, naqueles dias, acreditava estar próximo o fim do mundo.

Em comparação, já será de prever um número muito maior de diferenças de todo o tipo entre as pessoas que hoje somos e aquelas que nos sucederão, não daqui a mil anos, mas a cem.

Por outras palavras: talvez nós tenhamos ainda muito que ver com os que viveram há um milénio, mais do que com esses outros que daqui a um século habitarão o planeta...

É agora que o mundo se acaba, está no ocaso o que há mil anos apenas alvorecia.

Ora, enquanto se acaba e não se acaba o mundo, enquanto se põe e não se põe o sol, por que não nos dedicaremos a pensar um pouco no dia de amanhã, esse tal em que quase todos nós ainda estaremos felizmente vivos?

Em vez de umas quantas propostas arrojadamente gratuitas sobre e para uso do terceiro milénio, que logo ele, mais do que provavelmente, se encarregará de reduzir a cisco, por que não nos decidimos a pôr de pé umas quantas ideias simples e uns quantos projectos ao alcance de qualquer compreensão?

Estes, por exemplo, no caso de não se arranjar coisa melhor:

a) Desenvolver desde a retaguarda, isto é, fazer aproximar das primeiras linhas de bem-estar as crescentes massas de população deixadas atrás pelos modelos de desenvolvimento em uso;

b) Suscitar um sentido novo dos deveres humanos, tornando-o correlativo do exercício pleno dos seus direitos;

c) Viver como sobreviventes, porque os bens, as riquezas e os produtos do planeta não são inesgotáveis;

d) Resolver a contradição entre a afirmação de que estamos cada vez mais perto uns dos outros e a evidência de que nos encontramos cada vez mais isolados;

e) Reduzir a diferença, que aumenta em cada dia, entre os que sabem muito e os que sabem pouco.

Creio que é das respostas que dermos a questões como estas que dependerá o nosso amanhã e o nosso depois de amanhã. Que dependerá o próximo século. E o milénio todo.

A propósito, regressemos à Filosofia.


E O MUNDO NÃO SE ACABOU
FAIXA 01
PÚBLICO
ADRIANA CALCANHOTO
2000