quinta-feira, 9 de agosto de 2012


CAETANO DE VOLTA À BAHIA



Em 1971, Caetano Veloso fez uma rápida viagem ao Brasil, para visitar os familiares, por conta dos 40 anos de casamento de seus pais.

Caetano sentia muitas saudades do Brasil, vivia deprimido com a distância e o frio de Londres, mas visitar o Brasil sem autorização dos militares era por demais arriscado.

Segundo ele próprio, quem o encorajou a desafiar a ditadura foi João Gilberto, que afirmou que Caetano poderia vir, que nada iria acontecer com ele.

Como Caetano via em João um profeta ou algo assim, se encheu de coragem e desembarcou no Brasil junto a Dedé Gadelha, sua esposa na época, em janeiro de 1971.

E como João Gilberto havia previsto, surpreendentemente nada aconteceu.

A revista O Cruzeiro na época fez uma reportagem sobre essa rápida vinda de Caetano, intitulada "Caetano de Volta à Bahia´.


PREFIRO VIVER AQUI

"Salvador - O ambiente no apartamento do Edifício Andarahy, fundos do colégio Estadual da Bahia, está quase como na casa da infância dos meninos de dona Canô, em Santo Amaro: mesa grande na sala, flores, papéis coloridos para enfeite e cobertura dos frios da festa que hoje é de toda a família. Maria Bethânia usa uma camisa do Flamengo. Dedé está descalça. Há muitos abraços, beijos, amigos, parentes - uma agradável confusão.


Caetano surge na copa. Vem mascando chiclete.

- Até onde pretende ir - você que é tido como como renovador da música popular brasileira - para expressar-se musicalmente?

- Não pretendo ir muito longe. Pretendo voltar para a Bahia.

Caetano tem nas mãos algumas folhas de papel com mais de cem perguntas endereçadas por jornalistas daqui e de outras publicações nacionais. Uma delas é sobre os Beatles ('Dizem que você é um imitador deles...')

- Na verdade, os Beatles foram muito importantes para mim. Não tanto pelas músicas que faziam e sim porque eles existiam.

Sentado no chão, ele olha um retrato antigo de uma imagem em procissão. Ligeiro intervalo de silêncio, e a voz sai com certa amargura:

- Hoje, nem sei se minha música é mesmo válida. Todo mundo sabe que a música popular da Inglaterra e dos Estados Unidos foi de uma grande importância na década de 60. No início desta nova década, já se sente o esvaziamento desse movimento. Os Rolling Stones continuam sendo a presença mais forte da música inglesa. Mas o último disco de John Lennon é a coisa mais bacana que já se fez lá.

De repente os sobrinhos e primos o cercam: 'Cae!, Cae!'. O apelido da intimidade, que há muito não ouvia, comove Caetano, que abraça a todos.


- Você e sua mulher passaram fome em Londres?

- Nunca passei fome. Nem mesmo em Londres. Faturei bem no Brasil, e as minhas músicas davam-nos condições de viver bem, com os direitos autorais.

Mais parentes, mais amigos vão chegando. Querem saber quando ele voltará definitivamente para o Brasil.

- Não sei quando. O certo é que não aguento o frio e a vida fora desta vida. Fiquem tranquilos que meu filho nasce na Bahia.


- Alguma emoção especial na Inglaterra ou em outro país?

- Fiquei muito emocionado quando vi Jimi Hendrix tocando na Ilha de Wight.

É conversa para muitas noites, há muito o que dizer. Todo mundo quer falar, perguntar. De lá da cozinha, vem a voz da dona Canô:

- Cae, precisa se preparar para a missa, meu filho!

Rodrigo, o irmão de Caetano, que tem quase o mesmo rosto e o mesmo físico, informa:

- O padre da Igreja da Misericórdia disse que se soubesse que essa missa era para nossa família, não a celebraria. Tudo por causa do Caetano.


Há mais perguntas, Caetano responde sempre.

'Em fevereiro sairá na Inglaterra, meu primeiro LP em inglês. Acho que nossa música popular está numa fase indefinida'.

- Depois dessa viagem, você se sente cidadão do mundo?

- Poderia viver em qualquer país. Mas a Bahia é Bahia. Prefiro viver aqui."