segunda-feira, 23 de julho de 2012


LUZES DA RIBALTA


__ POR ENILTON GRILL


PARA NEY GASTAL


A gente sente em tudo que dizes uma admiração recorrente pelo Dr. Breno (Caldas), que o tempo parece não ter diminuído?

P.F.GASTAL - É verdade. Era uma pessoa de temperamento esquisito, mas um grande caráter. O Correio era o seu espelho. Quero muito bem a ele. Depois da confusão toda, da crise final, com a greve, minha saída de lá, e tudo mais, Dinah (esposa) ficou muito revoltada, e repetidas vezes se queixava e colocava nele a culpa pelo que tinha havido. Ouvi aquilo, uma, duas, três vezes, até que um dia pedi que não repetisse mais aquilo. Sou muito agradecido ao Dr. Breno. Acho que, se fiz algo na vida, em grande parte devo a ele. Ela compreendeu e nunca mais falou.
P. F. GASTAL EM ENTREVISTA A SEU FILHO NEY GASTAL


Dia desses recebi um mail do Ney que, entre outras coisas, vinha com a foto abaixo e dizia o seguinte:


"Esta, provavelmente, foi a última foto de meu pai dentro do prédio da Caldas Júnior.

O último dia em que ele pisou lá.

Quando a assembléia dos funcionários terminou, nas oficinas, estava vencedora (com voto e apoio dele) a proposta de greve, a iniciar no dia seguinte.

Os salários vinham atrasando e atrasados por meses e meses.

Ele então se despediu dos colegas das oficinas e voltou para a redação, para fechar a edição do dia.

Ainda no corredor, cruzou por Francisco Antônio Caldas, o filho de Breno Caldas, que ele conhecia desde criança.

"Tonho", era este o apelido do "guri", o olhou e chamou de filho da puta.

Não respondeu.

Apenas entrou na redação, pegou uma última pilha de coisas pessoais, deixando MUITAS outras, e nunca mais voltou.

Os "colegas" remanescentes da redação e a empresa jamais lhe entregaram coisa alguma, nem sequer as mais pessoais.

Mesmo quem sabe o que o jornal significou em toda sua vida não consegue imaginar como deve ter sido difícil.

Foi naquele momento que o velho P.F.Gastal, também conhecido como Calvero (assim assinava na coluna de cinema da Folha da Tarde) e Acácio (pseudônimo sob o qual assinava as resenhas de livros no "Correião") começou a morrer.

Era um figuraço, meu pai.

Topei com esta foto e bateu uma baita saudade."
                                                                                                                             NEY GASTAL

Outro dia, o Ney envia outro mail. Agora com um texto sobre o legado de Chaplin, escrito por Carlos Heytor Cony. Foi daí que resolvi juntar tudo e pesquisar um pouco. Não demorou muito para eu achar uma entrevista do Ney com seu pai, publicada no Cadernos de Cinema de P.F.Gastal. Livro organizado por Tuio Becker. Da tal entrevista, extraí o fragmento mais abaixo. Foi o mais longe que pude chegar para diminuir a distância entre rir e chorar. E de tornar o distante mais perto. Tomara esteja certo.

NEY - Este diálogo já vai muito adiantado e ainda não falamos em algo básico: Charles Spencer Chaplin. Já citaste Visconti como grande gênio e Cidadão Kane como o maior dos filmes. Como fica Chaplin nesta história?

P.F.GASTAL - Em seu lugar, que é único. Chaplin é Chaplin, não pode ser comparado, medido. Eu me criei assistindo os filmes do Carlitos, ele é básico para mim não apenas como referencial de cinema, mas de vida. E não apenas como comediante. Sou um sujeito muito disciplinado. Se o filme é para rir, eu rio. Se é para chorar, eu choro. Não tenho a menor vergonha de chorar no cinema. Por que as pessoas não têm vergonha de rir e se escondem para chorar? São, ambos os gestos, expressões de emoção. Gosto tanto de cinema que vivo o enredo de uma boa fita como se realidade fosse. Me entrego. E tanto rio quanto choro. Isto, acho, aprendi com Carlitos. Que tanto o riso quanto o choro são gestos próximos, similares. Foi com Carlitos que aprendi a ser tolerante e radical, corajoso e covarde, alegre e triste. Foi com Carlitos que desenvolvi meu sentimento de humanidade. Foi no escuro da caverna, frente ao fogo ainda branco e perto de seus filmes mudos que fui compreendendo as virtudes e fraquezas do ser humano. E, não fosse por nada, com Chaplin aprendi a não ter vergonha de chorar, de expressar meus sentimentos frente aos outros. Com ele terminei de aprender a ser gente. Ele e meu pai, tão diferentes um do outro, foram meus grandes modelos de vida.

NEY - Mas não escolheste o pseudônimo de Carlitos, para escrever, e sim o de Calvero, nome do personagem de Chaplin em Luzes da Ribalta. Um único filme causou tanto impacto assim?

P.F. GASTAL - Enorme e imediato. O filme provocou enorme impacto quando do seu lançamento e, acredito, deve provocar ainda hoje impacto parecido em quem o assiste pela primeira vez. Em mim foi incrível, e joguei todo o peso do Correio do Povo em sua divulgação. Escrevia todos os dias, abria manchetes de página, elogiava, recomendava, quase impunha a que as pessoas fossem assistí-lo. E tanto fiz que o Dr. Breno, que não costumava dar palpites nestas coisas, me chamou e disse: "Gastal, não achas que estás exagerando com este filme?". Fiquei meio chateado, mas respondi que se era uma ordem, iria parar. Mas antes de sair de seu gabinete, arrisquei uma pergunta: "O senhor já o assistiu?". Ainda não. Naquela mesma noite ele foi assistir e, na volta, me chamou e disse: "Tudo bem, tens razão. O filme é maravilhoso". E continuei a fazer o que vinha fazendo.


LUZES DA RIBALTA
[LIMELIGHTS]

Vidas que se acabam a sorrir
Luzes que se apagam, nada mais
É sonhar em vão tentar aos outros iludir
Se o que se foi pra nós
Não voltará jamais
Para que chorar o que passou
Lamentar perdidas ilusões
Se o ideal que sempre nos acalentou
Renascerá em outros corações
                                                       CHARLIE CHAPLIN
          VERSÃO: ANTÔNIO ALMEIDA / JOÃO DE BARRO

LUZES DA RIBALTA
FAIXA 5
NOSSOS MOMENTOS
MARIA BETHÂNIA
1982