segunda-feira, 12 de dezembro de 2011





TE DOY UNA CANCIÓN



Texto (revisado) do livro “Te doy una canción”
 Tradução: Enilton Grill
   Editorial Planeta,
Madrid 2006.


Quando em 1975 saiu meu primeiro elepê individual, Días y Flores, eu estava já há dez anos compondo canções. Os discos coletivos dos quais havia particiapdo reuniam, se tanto, uma dezena das muitas compostas. Claro que nem todas eram boas, mas creio que, para a época, quem sabe poderia ter gravado dois ou três vinis com temas interessantes. Diante disso, desde meu primeiro disco me acostumei a intercalar temas de antes entre os recém criados.

Em 1977 foi lançado Al Final de Este Viaje, composto exclusivamente com títulos de añejos. Depois, e sempre procurando estar atualizado, continuei incluindo canções 'velhas' na maioria de meus discos 'novos'.

Hoje em dia reconheço que esta prática reparadora impediu uma ordem, uma visão de desenvolvimento, se é que houve, mas não fazê-lo teria significado renúncia ao trabalho anterior a 1975.

Antes da escuela  -Grupo de Experimentación Sonora del ICAIC - que para mim começou em 1970, meu conhecimento musical consistia das aptidões de minha família materna - de minha mãe em particular -, umas poucas lições de piano, a emissora CMBF, o filme 'Fantasía' e as salas de audição de duas bibliotecas públicas.

Com relação às letras pode ser que estivesse melhor preparado. Desde menino observava as leituras de meu pai... Apoiando-me estava a Editora Nacional de Cuba, fundada por Alejo Carpentier, que havia inundado o país com os clássicos da literatura nacional e universal. A meu favor estava também minha admiração pela poética de José Martí, além de ter encontrado o imenso Cesar Vallejo e o misterioso Saint John Perse.

Rubén Martínez Villena, José Zacarías Tallet e Eliseo Diego, além de Martí, no início, foram meu poetas cubanos e fundamentais. Este gosto por poesia ainda  me llevó a pecar em um concurso literário em 1967, no final do meu serviço militar. Quando ganhava uma folga, em meus tempos de recruta, visitava Guillermo Rosales, uma amigo genial e alucinado com quem falava sobre arte e literatura. 

Depois, quando me liberaram, me reencontrei com outros ex-companheiros do antigo semanário Mella que recém haviam fundado um tablóide cultural chamado El Caimán Barbudo. Algumas noites este grupo se reunia na sorverteria Coppelia...Ali, entre outras coisa,  se falalva de livros, e eu costumava tomar nota dos títulos que me pareciam interessantes.

Vincular-me a escritores da minha geração me fez aprofundar o lado literário. Estímulos musicais semelhantes vim a ter pouco depois, quando conheci a los que hacían canciones e tinham mais ou menos minha idade.

Quando desembarquei com minhas botas russas no ambiente musical de La Habana de 1967,  me enteré de que Martín Rojas, Rey Montesinos, Pablo Milanés e Eduardo Ramos, compositores guitarristas da minha geração, tocavam complexas canções de filin, de bossa nova e de jazz. Mario Romeu, Federico Smith, González Mantici, Adolfo Guzmán, Rodrigo Prats, Valdés Arnau e o jovem Leo Brouwer dirigiam a formidável orquesta de la radio y la televisión. A maioria dos cantores dos programas musicais se dedicavam a fazer versões de sucessos comerciais estrangeiros.

Da diversificada noite de La Habana, pude desfrutar do requinte musical de Bola de Nieve, de Teresita Fernández ―maestra devenida trovadora― e das fugazes aparições de uma carismática atriz que cantava textos de poetas como Virgilio Piñera, chamada Miriam Acevedo.

Quanto à música estrangeira, na minha adolescência havia escutado canções de Elvis e The Platers, mas sobretudo as baladas românticas que cantava Jonnhy Mathis. Mas, desde a perspectiva de um autor iniciante, as letras traduzidas de Charles Aznavour me pareciam melhores que muitas das escritas em castelhano.

Pouco antes disso, me havia convertido em admirador dos Beatles, sobretudo a partir de Rubber Soul, álbum onde apareceu a veia poética depois continuada por eles.

No entanto, desde menino, a música que mais me tocou foi a música clássica ou de concerto. Meus mais profundos heróis eram Tchaikovsky, Beethoven, Mozart, Bach, Vivaldi, Rachmaninov, Mussorgsky, Chopin e outros mais..

Pelas raízes e por referências familiares, instintivamente me identificava com os trovadores.... com as canções de Sindo Garay e de Miguel Matamoros.

Muito cedo, em 1967, me surge la Canción de la Trova, que fica plasmada como minha primeira declaração de princípios.

A partir de um programa de rádio que participei junto a maestros de la trova, pedi que não me chamassem de cantautor e sim de trovador. Até onde sei, identificação que não usavam ainda meus contemporâneos.

Quando com vinte novembros voltei às ruas de La Habana,depois de três anos e três meses de serviço militar, portava um livreto com umas cem letras cujas músicas guardava em minha memória.

Tão pronto tive a ilusão de que havia aprendido a fazer canções, me pareceu que devia aprender a desfazê-las. Assim a composição, que me havia chegado como passatempo de recruta, aos poucos foi se transformando num desejo de escrever músicas mais elaboradas, com letras que sonhavam ser poemas.

Como já disse, queria  escutar canções que não existiam  e me dispus a inventá-las. Mas foi ficando tudo muito complicado e chegou a significar um trabalho cada vez mais consciente contra a banalização do gosto. Para piorar a situação acabei aventurando-me em uma briga da qual quase ninguém saiu ileso: revolucionar a relação artista-público a partir de uma projeção ético-estético desmistificadora.  

Como tinha participado na campanha de alfabetização e o país estava se movendo em direção a níveis crescentes de educação, eu tentei me manter a altura do meu tempo e fui crítico da superficialidade, convencido de que merecíamos uma arte mais rigorosa. Não suportava a vulgaridade e nem àqueles que afirmavam que o povo não me entendia.

Minha primeira canção a escrevi em 1962, quando trabalhava no semanário Mella, com 15 anos. Então pude conceber somente letra e melodia, porque ainda não tocava nenhum instrumento. Foi uma monstruosidade chamada 'Rock de los Fantasmas' e só existe ainda graças à memória generosa de Virgil Martinez, que foi meu professor de desenho. Foi feita brincando com meus colegas, como pretexto para usar um gravador tcheco, marca Tesla, que apareceu lá pelo escritório. Lembro que depois a escutávamos e morríamos de rir...

Comecei acreditando que as canções podiam ser companheiras de angústias e felicidades. Não muito depois já acreditava que podiam ajudar a melhorar o mundo.

Desde aqueles dias até hoje passaram-se pouco mais de quatro décadas, o que para muitos poderia ser toda uma vida.

Hoje vejo que por ter me transformado em um trovador, me aconteceu quase tudo. Mas a minha maior sorte não foi ter acertado quando decidi meu caminho, mas na qualidade e na quantidade de pessoas que aprovaram a minha escolha.

Pode que haja muita ilusão, mas de uma coisa tenho certeza: minhas canções foram mais longe e também mais aquém do que eu imaginei. Tanto assim, que, entre elas e eu, às vezes não se sabe quem imagina e quem realiza.

Silvio Rodríguez Domínguez
La Habana, enero de 2006 - mayo de 2011