domingo, 25 de setembro de 2011



 HISTÓRIA NATURAL DE PABLO NERUDA
A elegia que vem de longe

Companheiros na literatura, no engajamento socialista e nos excessos etílicos e gastronômicos, Vinicius de Moraes e Pablo Neruda cultivaram uma longa amizade, até a morte do poeta chileno, em 23 de setembro de 1973, doze dias depois do golpe militar que derrubou Salvador Allende.

Escrita em outubro daquele ano, "com muito amor e muita dor", esta História Natural de Pablo Neruda é uma pequena homenagem de Vinicius á Pablo Neruda.

Em poemas que variam do elegíaco ao documentário, Vinicius relembra episódios da vida de Neruda e da amizade entre os dois: a infância na cidade de Temuco, com "olhos de irônica baleia sonolenta"; as esposas de Pablo e as mulheres que os dois compartilharam; as recordações de viagens, festas e jantares dos anos 40 e 60, em companhia de grandes figuras da época; e a afinidade política e o exílio de Pablo durante o regime anticomunista de González Videla.

Lançada em 1974 pelas Edições Macunaíma, de Salvador, numa edição artesanal de trezentos exemplares, esta é a primeira edição comercial da obra, com as xilogravuras originais de Calasans Neto e uma sobrecapa que se transforma num belo pôster. O livro conta também com uma apresentação de Ferreira Gullar, exilado no Chile quando morreu Neruda.


HISTÓRIA NATURAL DE PABLO NERUDA

Boa noite, Pablo Neruda!

Penetración en la mujer

Duas mulheres tivemos juntos, irmão
Tu primeiro, por ordem de geografia
Tu chileno, eu brasileiro.
Misturamos nossos sêmen
Na mesma fonte fendida
Como agora misturamos,
Nós que tanto nos amamos
Minha vida, tua morte
Nosso amor... Nossa poesia.

Por acaso em 60 nos encontramos
Em Montevidéo e viajamos juntos de navio
Ocorreram poesias
Trocamo-nos sonetos de muito amor, amigo
Tu e eu escrevíamos nas tardes quietas
No convés vazio...
                                         Vinicius de Moraes



SONETO À VINICIUS DE MORAES

No dejaste deberes sin cumplir;
Tu tarea de amor fue la primera;
Jugaste con el mar como un delfin
Y perteneces a la primavera.

Cuanto pasado para no morir!
Y cada vez la vida que te espera!
Por tí Gabriela supo sonreír
(Me lo dijo mi muerta compañera).

No olvidaré que en esa travesía,
Llevavas de la mano a la alegria
Como tu hermano del país lejano.

Del pasado aprendiste a ser futuro
Y soy más joven porque, en un dia puro,
Yo vi nacer a Orpheu de tu mano.
                                             Pablo Neruda


SONETO À PABLO NERUDA

Quantos caminhos não fizemos juntos
Neruda, meu irmão, meu companheiro...
Mas este encontro súbito, entre muitos
Não foi ele o mais belo e verdadeiro?

Canto maior, canto menor - dois cantos
Fazem-se agora ouvir sob o Cruzeiro
E em seu recesso as cóleras e os prantos
Do homem chileno e do homem brasileiro

E o seu amor - o amor que hoje encontramos...
Por isso, ao se tocarem nossos ramos
Celebro-te ainda além, Cantor Geral

Porque como eu, bicho pesado, voas
Mas mais alto e melhor do céu entoas
Teu furioso canto material!
                                    Vinicius de Moraes


VINICIUS HABLA DE LA CREACIÓN DE CANTO GENERAL

1947,
Criação de Canto General

O Senador Pablo Neruda
Perseguido pela polícia de Gonzales Videla
Refugia-se no seio do povo que o oculta
De casa em casa de choupana em choupana
Cada vez que o perigo ameaça.

O povo ama o seu poeta
Faz em torno dele um muro de silêncio
Dá-lhe pão, queijo e vinho
A morte ronda com os patrulheiros
A senha passa.

À noite levam-no encapuçado para outro sítio
Mil olhos campesinos vigiam
As estrelas vigiam
A lua se oculta entre nuvens
Para que não o vejam os assassinos.

Súbitas tormentas desencadeiam-se
À aproximação furtiva de seus passos
O poeta com a cabeça em chamas vê distante
A cordilheira, os altos de Machu-Pichu,
A queda dos meteoritos
Sobre o crepúsculo da iguana,
As roxas procissões, o pastor peruano
A tanger doces lhamas, os pueblos,
As nações empapadas de sangue,
A mão em garra dos tiranos...

E o poeta de rua em rua
Rio em rio
Casa em casa
Cidade em cidade
Diz adeus ao cobre
Se afasta do salitre
Come as pétalas de vermelhas papoulas
Transpõe léguas em lombo de muares...
Vinicius de Moraes


VINICIUS HABLA DE NERUDA MUERTO UN ANO ATRAS

Itapuã, Bahia:
Outubro de 1973.

Senta-te ali, poeta primogênito
Naquela ampla cadeira em frente ao mundo
E deixa-me pintar o teu retrato
(Já que, por circuntâncias, não o fizeram
Teus amigos Picasso e Di Cavalcanti)

Com palavras cobertas do azinhavre
Do tempo, e pela luz verde da Lua
Funâmbula, a transar entre hemisférios
Desprendida da pele de Matilde
Para os céus jorjamados do recõncavo

É madrugada, irmão, e escuto o mar
Que geme versos teus sobre as areias
De itapuã, chorando a tua morte
Tu que o amavas a imprecar bravio
Contra os negros penhascos de Isla Negra

Duas mulheres tivemos juntos, irmão
Tu primeiro, por ordem de geografia
Tu chileno, eu brasileiro.
Misturamos nossos sêmen
Na mesma fonte fendida
Como agora misturamos,
Nós que tanto nos amamos
Minha vida, tua morte
Nosso amor... Nossa poesia.
                         Vinicius de Moraes


BREVE CONSIDERAÇAO
À MARGEM DO ANO ASSASSINO DE 1973

Que ano mais sem critério
Esse de setenta e três…
Levou para o cemitério
Três Pablos de uma só vez.
Três Pablões, não três pablinhos
No tempo como no espaço
Pablos de muitos caminhos:
Neruda, Casals, Picasso.

Três Pablos que se empenharam
Contra o fascismo espanhol
Três Pablos que muito amaram
Três Pablos cheios de Sol.
Um trio de imensos Pablos
Em gênio e demonstração
Feita de engenho, trabalho
Pincel, arco e escrita à mão.

Três publicíssimos Pablos
Picasso, Casals, Neruda
Três Pablos de muita agenda
Três Pablos de muita ajuda.
Três líderes cuja morte
O mundo inteiro sentiu.

¡Ôh ano triste e sem sorte:
- VÁ PRA PUTA QUE O PARIU!
Vinicius de Moraes


HISTÓRIA NATURAL DE PABLO NERUDA
SONETO À VINICIUS DE MORAES
SONETO À PABLO NERUDA
VINICIUS HABLA DE LA CREACIÓN DE CANTO GENERAL
VINICIUS HABLA DE NERUDA MUERTO UN ANO ATRAS
 BREVE CONSIDERAÇAO..