quinta-feira, 15 de setembro de 2011



 POEMA DO CERCO DA TERRA




Para José Saramago


Quando tu nos falas
de embargos à toa
e aos poucos recordas
de todos os nomes
e o Evangelho
e o cerco à Lisboa
e estrelas que morrem
no peito dos homens...
Quantos já sumiram
no vazio noturno?
E quantos percebem
que o tempo os consome?
E quantos se perdem
na estrada-absinto?
E quantos sem voz
padecem na fome?

E quantos já surdos
e quantos já mudos
ficaram a esmo
nas pedras da estrada?
Quantos já se vão
no peso das guerras
sem voltar jamais
pras suas moradas?
E quantos não tornam
a ver os seus filhos?
E desaparecem


em plena jornada
e perdem o rumo
e não mais se encontram:
vão sem rosto ou cor
bravo camarada.

E quantos degraus
a vida nos toma:
são degraus concretos
de uma escada torta
que aos poucos balança
e desequilibra
e derruba todos
(madrugada morta).
Hoje o cerco atinge
esse mundo todo
e eu fico aflito
nessa marcha insana.
Já não há miragens
já não há oásis:
sangram os desertos
(objetos quase).

Sangram afegãos
sangram iraquianos
sangram os irmãos
e as flores e os anos.
E sangramos todos
nesses desenganos:
mísseis apontados
fim de sonho e planos.
Vem ver o que resta
– pesadelo imenso,
que chega e se espalha –
enquanto eu penso
que nossa esperança
voa lentamente
e eu quase me apago
na canção demente.

Álvaro Barcellos
Poeta e escritor
Pelotas
Rio Grande do Sul
Brasil